Exposição de brinquedos na Fundação de Oriente

Inserida no evento Festa do Japão, que decorre entre 16 de Abril e  9 de Maio, abriu no dia 20 de Abril e vai estar patente até ao dia 11 de Julho, no Museu do Oriente, a exposição OMOCHA, BRINQUEDOS TRADICIONAIS DO JAPÃO.

Do site da Fundação:
"Nenhum país do Mundo iguala o Japão na produção de brinquedos, seja em quantidade, diversidade ou riqueza. Não existe, nas línguas ocidentais, tradução exacta da palavra omocha, que quase sempre traduzimos por brinquedo. A tradução é, contudo, enganadora já que estes objectos destinam-se não só às crianças mas, muitas vezes, também aos adultos. Omocha significa, mais particularmente, objectos tradicionais, muitas vezes com uma função lúdica, mas que vão buscar os seus simbolismos às crenças religiosas. Monstros, divindades, homens ou animais, estes objectos saídos da arte popular estão sobretudo ligados a crenças religiosas, são de uso ou origem religiosa a que se juntam elementos xintoístas mas também budistas. Igualmente objectos de divertimento, amuletos da sorte, recordação de peregrinações, eles acompanham também eventos anuais, como as festas locais. Daí que muitos destes objectos sejam vendidos nos mercados dos templos. Associados aos festivais, encontram-se nestes mercados quer produções regionais quer objectos genéricos, cujo simbolismo todos conhecem. Concebidos a partir de materiais tão diversos como a madeira, argila, pedra, papel, palha ou tecido, congregam as tradições estéticas, técnicas, sociais e religiosas dos Japoneses.

Não se sabe ao certo quando começaram a produzir-se estes brinquedos tradicionais. Estabelecer uma data torna-se impossível mas é evidente que os brinquedos existem desde tempos muito remotos havendo mesmo documentos que comprovam que, no período Heian (794-1185), o jogo de sugoroku (uma espécie de Jogo da Glória), por exemplo, era já muito popular. Todavia, a maioria dos brinquedos que hoje encontramos são um vestígio do período Edo (1603-1867). A sua produção é gigantesca e representa um recurso económico que não pode ser menosprezado. Se alguns deles podem ser fabricados indiferentemente na totalidade do território japonês, outros são-no apenas em locais precisos. O princípio do ano é a época em que se compra o maior número de brinquedos, talismãs e amuletos da sorte.
A raridade dos objectos antigos não se explica unicamente pela fragilidade dos materiais em que são fabricados. Muitos deles são destruídos todos os anos, queimados ou lançados aos rios, levando com eles todos os malefícios que, supostamente, deviam contrariar, atingindo assim plenamente a sua função protectora."

Horários da Fundação Oriente:
10:00h - 18:00h
encerra à terça-feira
sexta-feira aberto das 10:00h - 22:00h (gratuito das 18:00h - 22:00h)

Morada: Avenida Brasília - Doca de Alcântara ( Norte) Lisboa
Tel. +351 21 358 52 44
e-mail: info@foriente.pt

Alexander Calder - a arte e os brinquedos

Um dos temas deste blog é, como o leitor já deve ter entendido, a importância da educação para o desenvolvimento das capacidades artísticas do sujeito, com uma maior ênfase no campo da Arquitectura. O que está em causa é, de facto, a utilidade de uma educação disciplinada e apoiada em actividades lúdicas e brinquedos que, de alguma forma, consigam despertar nas crianças (apesar de fazer mais falta nos adultos...) um conjunto de sensibilidades e capacidades próprias da prática do projecto de Arquitectura. A percepção e interpretação do espaço tridimensional, o desenho e a representação são, entre outras, algumas das competências que distinguem uma predisposição para a Arquitectura.
Não é o meu papel, aqui e agora, defender a ligação directa e causal ou indirecta e casual entre a brincadeira e a apetência e competência profissional. Se por um lado já falei de exemplos de sucesso, muitos são os exemplos de uma formação em Arquitectura que tem resultado numa profissão profundamente diferente. Em Itália, por exemplo, onde o número de arquitectos per capita é o mais elevado do mundo (1 arquitecto por cada 500 habitantes), o que não falta são pessoas com formação específica em Arquitectura, pelos casos da vida, exercem outra profissão.
Nesta sentido, a personagem acerca da qual irei falar a seguir é, sem dúvida, um dos exemplos mais paradigmáticos neste âmbito. Nesta história conceitos como educação, formação, brincadeira ou como arte e ciência, encontram-se misturados em torno de uma vida dedicada à produção artística onde arte e brincadeira se fundiram até se tornarem uma única coisa. A sua herança não se limitou ao campo das artes: nos quartos e nos berços de milhões de crianças de todo o mundo encontram-se pendurados num contínuo, lento e infinito movimento objectos que possuem uma forma e um funcionamento que pode ser considerado herdeiro das suas obras e que costumamos chamar mobile. Trata-se do artista norte-americano Alexander Calder.

Alexander Calder nasceu no dia 22 de Julho de 1898 em Lawnton, Pensilvânia, segundo filho da pintora Nanette Lederer Calder, e do escultor Alexander Stirling Calder.
Nos primeiros anos de vida encontramos os principias ingredientes do seu futuro sucesso enquanto artista plástico. Durante duas décadas de vida a família mudou de cidade praticamente todos os anos para seguir a carreira do pai que aceitava encargos públicos em diferentes estados dos EUA. Apesar disso os pais de Alexandre demonstraram uma especial atenção para a educação do filho ao reservar, em praticamente todas as casas em que viveram, um quarto à sua disposição como atelier. Quando a casa não tinha condições, a solução passava por montar uma tenda com um pavimento em madeira, no exterior da habitação.

Em 1906, o pequeno Alexandre recebeu as suas primeiras ferramentas para trabalhar madeira e ferro com as quais criou jóias para as bonecas da irmã com algumas contas e uma ponta de fio de cobre que alguns electricistas tinham deixado na rua. O próprio Calder mais tarde chegou a comentar as condições nas quais costumava construir os próprios brinquedos enquanto criança: “In California, I had a friend with whom I made armor and weapons from sheet metal and boxwood. We made shields, breastplates, helmets, swords, lances. I even covered an old pair of my mother's gloves in tin scales. He was Sir Lancelot, and me, I was Sir Tristan. We planned to stage (friendly) fights, but he was more agile than I, and once he dealt me a blow to the head with the flat side of his (wooden) sword and I quit the game for good. Another time I had some horses made of cowhide stuffed with sawdust—25 centimeters high—and a mechanical wire track whose carriages were 7 centimeters tall, and I became enraged when my neighbors all came over to play with them. On a different occasion, we had some branding irons that we had heated up over a candle. The metal got too hot and we burned the horses and the sawdust came out.” Se por um lado se compreende como Calder se tornou um grande artista plástico, por outro lado não se compreende como tenha sobrevivido a uma infância circundada por latas, serrotes, fios eléctricos e brinquedos em chamas.

Dois anos mais tarde, no Natal de 1909, com somente 11 anos de idade, Calder doou aos seus pais duas pequenas esculturas - um cão e um pato - feitos de chapa de latão. O pato é uma peça de particular interesse porque demonstra uma enorme capacidade de abstracção formal e em manusear os vários materiais. Além disso é uma das primeiras experiências cinéticas de Calder porque tendo o fundo curvo fica a balouçar quando se carrega na calda. O ano seguinte construiu, por ocasião do aniversário do pai, um jogo de estratégia que consistia num tabuleiro dividido em quadrados onde se movimentavam cinco animais em madeira: um tigre, um leão e três ursos.

Com uma infância passada a viajar pelos Estados Unidos, em 1915 Calder já possuía estabilidade suficiente para se inscrever no Stevens Institute of Technology em Hoboken, New Jersey, onde estudou, entre outras coisas, Química, Desenho Mecânico, Agronomia e Artes Aplicadas. Em 1919, após algumas breves passagens em vários campos de treino militar, Calder formou-se em engenharia mecânica no Stevens Institute.  Nos quatro anos sucessivos aceitará vários trabalhos: algum tempo como engenheiro e desenhador na indústria automobilística, nove meses como fiscal numa serração, engenheiro hidráulico a colorir projectos de instalações e engenheiro de obra. 

Em 1922, Calder reaproxima-se das artes quando, na primavera se inscreve, em horário pós laboral, nas aulas de desenho de uma escola pública de Nova Iorque.

Após mais alguns serviços profissionais, ainda como engenheiro, procura emprego no Canadá. Será justamente em Vancouver, durante uma conversa com o engenheiro que o ia supostamente empregar, que Calder tomará a decisão de se tornar num artista e de deixar a engenheira: “I went to Vancouver and called on him, and we had quite a talk about what career I should follow. He advised me to do what I really wanted to do, he himself often wished he had been an architect. So, I decided to become a painter.” Assim, no ano seguinte, em 1923, Calder inscreveu-se nas aulas de composição e pintura de John Sloan e de retrato com George Luks, na escola The Art Students League em Nova Iorque. Em 1925 Calder já tinha começado a sua produção artística quando um jornal local, o National Police Gazette, encomendou-lhe as ilustrações para alguns artigos sobre o Ringling Brothers and Barnum and Bailey Circus (que ainda hoje existe). Nesta experiência Calder ganhará um gosto e uma paixão para o circo que marcará o seu futuro artístico. 

Em 1926 Calder decidiu visitar a Europa mas, infelizmente, não tinha dinheiro para pagar a passagem. Esta condição de pobreza, demonstrada nas frequentes cartas aos pais a pedir dinheiro para pagar os vários encargos, o acompanhará ao longo da primeira fase da vida e o obrigará, entre outras coisa, a ser extremamente inventivo na forma de produzir objectos e de obter lucro. Mesmo assim consegue, com a ajuda do seu professor Clinton Balmer, ser admitido como tripulante do barco inglês Galileo que fazia a rota de Nova Iorque para a cidade inglesa de Hull. Em troca da sua mão-de-obra como pintor do casco do navio terá a sua primeira passagem para a Europa paga.

Instalado em Paris em 1926 (em finais de Agosto já tinha alugado uma casa e um atelier), Calder consegue sobreviver desenhando ilustrações para o jornal Le Boulevardier. Apesar deste empenho não deixa de projectar e construir brinquedos, além de figuras humanas e animais com vários materiais. A qualidade dos seus brinquedos e a sua falta de dinheiro eram tais que, no mesmo ano, quando um comerciante de brinquedo sérvio o encoraja a pensar numa possível produção em larga escala dos seus brinquedos, Calder resolve produzir uma grande série de figuras em arame e madeira. Como o mesmo Calder comentou mais tarde, a sua capacidade de construir brinquedos era claramente fruto da sua anterior formação: “As I had always worked with tools, and indeed, graduated from an engineering college, I found no particular difficulty with this medium.“ O comerciante sérvio nunca mais apareceu mas Calder não quis parar e a serie de brinquedos acabou por ser a primeira versão do Cirque Calder, um espectáculo complexo de bonecos em movimento que foi sujeito a alterações e actualizações ao longo dos seguintes cinco anos. O conjunto reunia pequenos artistas, animais e objectos que tinha observado no Ringling Brothers Circus. Com fios, peles, roupas e outros materiais que eram encontrados, o Circo Calder era projectado, construído e dirigido pessoalmente por Calder. Além disso todo o conjunto era pensado para poder ser arrumado em 5 malas permitindo a Calder actuar em qualquer lugar. O espectáculo demorava cerca de duas horas e existiu ao longo de 40 anos tendo sido apresentado centenas de vezes nos contextos e diante das assistências mais diferentes.

Nesta altura da vida de Calder a paixão pelos brinquedos era muito forte e a sua produção consequente; além disso, o circo era o seu principal sustento. Os seus animais foram exibidos numa galeria de Paris e a 4 de Agosto de 1927 a edição parisiense do jornal New York Herald publicou um artigo onde o próprio Calder refere: “I began by futuristic painting in a small studio in the Greenwich village section of New York. It was a lot different to engineering but I took to my newfound art immediately. But it seemed that during all of this time I could never forget my training at Stevens, for I started experimenting with toys in a mechanical way. I could not experiment with mechanism as it was too expensive and too bulky so I built miniature instruments. From that the toy idea suggested itself to me so I figured I might as well turn my efforts to something that would bring remuneration. From then on I have constructed several thousand workable toys.” No Outono do mesmo ano, ao regressar para os Estados Unidos, Calder contacta a Gould Manufacturing Company para propor a produção de um conjunto de animais chamados "Action Toys". Uma vez mais, nada feito.
A partir dos anos ’30 Calder começa a ter os primeiros reconhecimentos artísticos da sua obra e, apesar de ainda não ser economicamente autónomo (em 1930 escreve aos pais a pedir dinheiro para pagar a renda e as suas frequentes viagens aos Estados Unidos, e continuas mudanças de residência e de escritório, parecem ser mais para fugir aos credores que outra coisa), já é muito conhecido nos círculos artísticos mais exclusivos de Paris. Conhece e frequenta com regularidade os ateliers de artistas como Joan Miró, Fernand Léger, James Johnson Sweeney, Piet Mondrian e Marcel Duchamp. Com o treino ganho na criação de material para o circo em fio de ferro, Calder começou a fazer retratos em arames de figuras públicas, encontrando mais uma fonte de rendimento. Em 1928 teve a primeira exposição sozinho na Weyhe Gallery de New York, seguiram-se outras como as de Paris ou de Berlim. Numa das viagens entre Paris e Nova York de navio conheceu Louisa James, sobrinha do escritor Henry James; casaram-se em 1931.

Ainda 1931 Calder criou a obra que irá, sucessivamente, caracterizar a sua produção mais conhecida: uma escultura cinética que inaugurava uma forma de arte inovadora. A primeira experiência foi uma peça accionada por um sistema de manivelas e motores que Marcel Duchamp apelidou “mobile” (em francês “mobile” significa quer movimento como motivação). Mais tarde Calder abandonou o uso de motores e de mecanismos de movimento quando percebeu que as suas peças eram muio mais interessantes quando movidas pelas correntes de ar. Jean-Paul Sartre chegará a escrever, num texto escrito em ocasião de uma exposição de Calder, que a sua obra questionava a definição de escultor porque não trabalhava com a massa parada mas com elementos bidimensionais que se mexiam no espaço. Desta forma, dizia Sartre, “A "mobile," (…) is a little private celebration, an object defined by its movement and having no other existence”.

O resto da história seria mais uma tediosa descrição do sucesso artístico e profissional de Calder: exposições, prémios e grandes obras pautaram a vida deste artista até 1976, ano em que, com 78 anos de idade, morreu. Após mais de três décadas de produção artística, as esculturas de Calder habitam muitas cidades do mundo e os seus mobiles agitam-se, sem parar, por baixo das grandes coberturas de museus ou outros edifícios públicos.
Não são certamente os poucos brinquedos desenhados por ele que ainda se encontram em produção que representam a sua principal herança. O que Calder conseguiu foi reconhecer um território e neste traçar alguns caminhos. Um território onde arte, engenharia e brinquedos se cruzam e se enriquecem reciprocamente e ganham novos significados.


Por enquanto não me perguntem porquê (prometo que um dia irei estudar o assunto) mas acredito que Calder conseguiu encontrar uma forma de criar objectos artísticos, lúdicos e de consumo emocional que não possuem limites de idade e que, mesmo por causa disso, não necessitam de uma prévia formação cultural. Se é verdade, e nisso acredito piamente, que a função da obra de arte é aumentar o conhecimento do sujeito sobre o universo que o rodeia e que a mesma definição pode ser aplicada ao brinquedo, então vejo em toda a obra de Calder a fantástica capacidade de encontrar um espaço de produção material e intelectual que consegue originar objectos com verdadeiras qualidades intelectuais, materiais e, sobretudo, lúdicas e, por isso, emocionais.

Em 1930, quando a mulher Louisa tomou a decisão de casar com Alexandre (apelidado de Sandy), resolve escrever à mãe para lhe descrever o seu noivo: “To me Sandy is a real person which seems to be a rare thing. He appreciates and enjoys the things in life that most people haven't the sense to notice. He has ideals, ambition, and plenty of common sense, with great ability. He has tremendous originality, imagination, and humor which appeal to me very much and which make life colorful and worthwhile. He enjoys working and works hard, and thus ends the summary of his character.”

Fontes: Fundação Calder, Berkshire Museum, Whitney Museum

Donald Kaufman (1930-2009). Um exemplo de coleccionador.

Se for apaixonado por brinquedos e tiver algum dinheiro de lado vem aí uma excelente oportunidade para comprar alguma raridade. Nos dias 16 e 17 de Abril, a casa de leilões Bertoia Auctions, especializada em brinquedos antigos, coloca à venda o terceiro lotes da colecção de brinquedos de Donald Kaufman.
Se já souber que é Donald Kaufman pode acabar de ler e ir deliciar-se  com o catálogo da venda no site da Bertoia. Se ainda não souber, aguente mais um pouco porque a visita lhe saberá melhor depois de perceber que está a olhar para alguns dos artigos de uma das melhores colecções de brinquedos do mundo. São 59 anos ao longo dos quais um milionário, com gosto e cultura, foi juntando milhares entre os melhores brinquedos alguma vez produzidos. Só para ter uma ideia do valor basta pensar que o primeiro lote, sempre vendido pela Bertoia em Março de 2009, contava com mais de 1.400 artigos que, somados, atingiram o valor de 4,2 milhões de dólares, valor que a própria Beroia tinha estimado em 3 milhões. O segundo leilão, seis meses mais tarde, atingiu os 3 milhões e teve brinquedos de chapa vendidos acima dos 100.000 dólares.

Donald Kaufman nasceu no dia 8 de Outubro de 1930 em Pittsfield, Massachusetts, primeiro dos três filhos de Harry e Ruth Klein Kaufman. Em 1922 o seu pai e o seu tio abriram a Kaufman Brothers, uma firma de revenda de artigos de vários géneros: guloseimas, bebidas, animais de peluche, relógios e máquinas de barbear.
Em 1940, a Kaufman Brothers recebeu, em pagamento de uma grande divida que tinha com um cliente, uma firma de revenda de brinquedos. Foi uma excelente oportunidade para diversificar o negócio sobretudo numa altura em que, com a Segunda Guerra Mundial a rebentar, o preço de produção das guloseimas estava a ficar proibitiva devido a escassez da matéria-prima importada, como era o caso do açúcar.
A partir de 1948 o negócio dos brinquedos já ultrapassava, em facturação, o alimentar obrigando os irmãos Kaufman a direccionar a totalidade dos esforços neste sector.
Em 1950, Donald juntou-se ao negócio familiar. Com a sua ajuda a firma expandiu-se e especializou-se para a venda a retalho. Em 1959, abriram a primeira loja de rua no Connecticut. Nos anos 60 a Kaufman Brothers tornar-se na KB Toys e, em 1972, começa a fornecer a maior parte dos grandes centros comerciais em todos os Estados Unidos, chegando a se tornar a segunda maior empresa de venda de brinquedos.

Vendendo brinquedos de produções descontinuadas ou brinquedos não propriamente “na moda”, uma espécie de outlet, a cadeira conseguia manter preços baixos e atrair um grande número de clientes. Deixaram definitivamente a revenda e, em 1976, já tinham aberto 65 lojas Kay-Bee Toy & Hobby, muitas das quais nos cada vez maiores e mais frequentados centros comerciais (Malls). Após várias mudanças, em 1981, com 210 lojas abertas em todo os Estados Unidos de América, a firma passou-se a chamar Kay-Bee Toy Stores.
A partir de 2004 o grupo começou a acusar, cada vez mais, a concorrência da Wall-Mart e da Toys R Us chegado, neste mesmo ano, a fechar 365 lojas. Em 2007 fecharam mais 156 e, em Fevereiro de 2009, fecharam as últimas lojas e o site de vendas online. Em 2008 David Kaufman retirou-se definitivamente da direcção da firma. A KB Toys estava, oficialmente, falida. O que sobrou, a marca, o logo e o site (kbtoys.com), foram vendidos, em Setembro de 2009, a Toys R Us por 2.1 milhões de dólares.

Foi em 1950 que Donald Kaufman comprou a primeira peça da sua colecção: um modelo em chapa de um furgão International Harvester Red Baby, comprado a um amigo por 4 dólares. A partir daí, consegui juntar praticamente todas as versões de todos os brinquedos de carro existentes no planeta. O seu poder económico juntamente com a sua cultura e paixão em matéria, lhe permitiram participar nos melhores leilões de brinquedos, como foi o caso, em 1998, da venda de algumas peças do Perelman Antique Toy Museum em Filadélfia onde comprou um carrinho por 30.000 dólares (a mesma peça que foi vendida, no leilão de Março de 2009, por 97.750 dólares).
Conta a história que quando Kaufman estava interessado em algum artigo especial, antes de ir para o leilão  alugava um furgão que estacionava em frente à porta para intimidar os outros potenciais compradores.
Mantinha a sua colecção, todas peças em perfeitas condições, num anexo de quatro andares sem janelas junto da sua casa no oeste do Massachusetts. Estavam lá guardadas cerca de 10.000 peças, “não há réplicas, só variações”, comentava o próprio Kaufman, em voz baixa, aos poucos sortudos (menos de 25 segundo ele) que conseguiram visitar o que ele próprio chamava “o museu”.

David Kaufman morre em 12 de Outubro de 2009, de enfarte. Assim relatam as notícias da altura.
Após a sua morte a mulher comentou: “He didn’t just see a toy, he would look at that toy and think about the history. He thought about what it was made of, the design, the people who sat there and made it. He would hold it and say, «If only it could talk...»”

Apesar de ser muito provavelmente verdade que morreu subitamente em 2009, gosto pensar que as coisas não correram propriamente assim: já alguns anos antes Kaufman tinha percebido, quase sentido, que se aproximava o fim da suas vida. Talvez uma doença incurável ou alguns daqueles sinais que não deixam dúvidas. Não há notícia de filhos que pudessem herdar a paixão e a colecção do pai (talvez as três filhas não estivessem interessadas nela), por isso o fruto de uma vida iria acabar ninguém sabe como. Assustado com o futuro dos mais de 10.000 brinquedos da colecção Kaufamn tomou a decisão mais sabia e generosa que um coleccionador possa tomar: vender, vender tudo. Organizou atempadamente uma série de leilões com  Jeanne Bertoia, dona da Bertoia Auctions e, antes de morrer, chegou a assistir à venda dos dois primeiros lotes. A quem o interrogasse acerca das razões respondeu: “os brinquedos não são meus, eu estava somente a tomar conta deles (...) agora vou devolve-los aos coleccionadores para que alguém continue a cuidar deles”.

Fontes: New york times. Bertoia Auctions.

É menino ou menina?

“Até gostava de ter tido um rapaz, sabes como é... para brincar com carrinhos e coisas destas... coisas de meninos.”
Mas será mesmo assim? Será assim tão certo que as raparigas, só por questões de código genético, não podem aprender a conduzir em condições, a jogar futebol ou a passar uma tarde de domingo num torneio de PlayStation? Ou que os rapazes não podem aprender a cozinhar, a mudar uma fralda ao Nenuco ou a decorar a casa com o mesmo gosto de Martha Stewart?

Um artigo no último número da revista Mind da Scientific American (3/2010) defende uma coisa completamente diferente: o cérebro das crianças não possui, logo à nascença, uma diferenciação tão acentuada entre os sexos, em termos cognitivos. São os educadores que incutem, desde a mais tenra idade, os comportamentos socialmente estereotipados para cada sexo.
O estudo de John Archer, da Universidade do Lancashire, afirma que existem, de facto, algumas pequenas diferenças derivantes da carga hormonal que o filho recebeu no ventre da mãe, mas que a cultura dos educadores é, sem dúvida, quem as amplifica criando uma clivagem comportamental. Em suma, a diferenciação social entre sexo é uma questão mais ligada a uma herança cultural, e por isso considerável artificial, do que a uma real diferença biológica ou, em geral, natural.

Estes resultados são particularmente interessantes sobretudo quando é opinião corrente que as meninas são mais calmas do que os rapazes (falso: a agressividade feminina é menos tolerada do que a masculina); ou quando, em geral, se atribui ao sexo todo um conjunto de diferentes características comportamentais ou mesmo biológicas (falso: é verdade que o cérebro dos rapazes é maior e que o das raparigas acaba de crescer antes, mas nenhum destes fenómenos se encontra relacionado com a maior actividade física dos rapazes ou com a maior capacidade linguística das raparigas).

O assunto interessa-me na medida em que acredito na importância de uma educação dirigida (e claro, baseada em brinquedos escolhidos) para o crescimento intelectual do sujeito. Não acredito numa espécie de tácito acordo social que obriga cada sexo a ficar no seu lugar. Um lugar consagrado por uma tradição centenária que pouco ou nada, como vimos, tem a ver com reais diferenças comportamentais ou físicas. Este pode ser um primeiro passo para uma visão social baseada numa segregação que remete para supostas clivagens naturais. Começando assim poderemos voltar a acabar como Lombroso, médico italiano do século XIX, que defendia que pela análise de determinadas características físicas do sujeito, podia-se antever o seu futuro como delinquente. Lombroso aconselhava, então, que este tipo de sujeito fosse eliminado antes de resultar nocivo para a sociedade...

A teoria, se aceite, significa uma coisa só: a responsabilidade dos educadores vai além da força da carga genética. Ter um menino não significa necessariamente tê-lo a saltar por cima dos móveis ou a jogar a bola de chuteiras por cima do soalho da sala de um terceiro andar. Da mesma maneira não é forçosamente verdade que uma rapariga seja incapaz de construir uma escavadora com os Legos ou de conseguir o primeiro lugar em Need for Speed Nitro da PlayStation III.

Em suma, esta linha teórica questiona os limites, as fronteiras entre sexos e, além disso, a importância da educação. A sociedade já mudou muito, as diferenças entre homens e mulheres são muito menores do que eram há só dez ou vinte anos atrás. Muitos educadores ainda não se deram conta destas alterações e continuam, com prejuízo dos próprios filhos e de todos nós, a criar indivíduos formatados para uma sociedade que já não existe. E pensar que, já em 1985, a Barbie astronauta andava pelo espaço fora e, em 1973 a Barbie cirurgiã operava o Action Man ...