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Arthur Carrara e as construções magnéticas

Arthur Carrara nasceu em 1914 em Chicago, Illinois, filho de um imigrante italiano que trabalhava numa fábrica de argila que fornecia peças ornamentais para os edifícios projectados pelo famoso arquitecto norte-americano Louis Sullivan (1856-1924). Desde muito cedo Arthur demonstrou um particular interesse pela Arquitectura e, em 1931, visitou com a escola que frequentava a exposição de Frank Lloyd Wright e assistiu a sua famosa palestra  "To the Young Man in Architecture", proferida ao Art Institute of Chicago. Mais tarde, declarará que este foi um dos momentos mais marcantes e determinantes para a sua vida profissional.
Carrara começou os estudos em arquitectura e engenharia na Universidade do Illinois que o levará, em 1937, a obter aí a licenciatura. Após a conclusão da formação académica trabalhou algum tempo como desenhador no gabinete do arquitecto John van Bergen, um colaborador de Frank Lloyd Wright.

Durante a Segunda Guerra mundial Carrara serviu o Exercito norte-americano no Pacifico como topografo e foi encarregue de projectar alguns edifícios de apoio logístico na Austrália e nas Filipinas.
Em 1943, quando se encontrava na Austrália, o governo deste país encomendou-lhe o projecto do Café Borranical, em Melbourne. O projecto deste espaço, uma teahause, foi para Carrara a oportunidade para experimentar algumas das suas ideias sobre a aplicação de sistemas hidráulicos e magnéticos na construção de edifícios. A solução apresentava uma planta central que lembrava uma flor cujas “pétalas” eram plataformas móveis que, ao mexer, alteravam a forma do edifício e aumentavam a sua área de ocupação.

Em 1944, com a patente de Major do exército, foi convidado pela City Planning Commission, nas Filipinas, para conceber o projecto urbanístico de Manila e Cebu. Estas cidades foram bombardeadas durante a que ficou conhecida como a maior batalha urbana da Guerra do Pacifico. 95 % de Manila, que estava sob domínio Japonês, foi destruída entre 3 de Fevereiro e 3 de Março de 1945 durante uma batalha que foi comparada, pela sua selvajaria, à destruição de Varsóvia ou à batalha de Estalinegrado.

Em 1946, Carrara voltou para Chicago onde abriu um escritório. Chegou a fazer projectos para várias casas, edifícios para serviços, espaços expositivos e para alguns produtos industriais como móveis ou candeeiros. As crescentes encomendas levaram-no, por volta de 1965, a abrir outro escritório em Buffalo, no estado de New York. Sobretudo na década de 1950, o arquitecto projectou várias moradias, entre as quais, muitas casas de férias. Nos projectos reconhece-se a habilidade do autor em conseguir conjugar o estilo Prairie, de Frank Lloyd Wright, com as influências do movimento moderno e algumas experiências high-tech da época.
A ideia de utilizar o magnetismo na construção tinha surgido a Carrara ainda antes da guerra, quando havia hipotizado junções estruturais em edifícios metálicos que se podessem realizar com esse sistema. Todavia, dada a fraqueza dos magnetes disponíveis na altura, esta ideia nunca saiu do papel. Em finais de 1940 descobriu o Alnico, uma liga de Ferro, Alumínio, Níquel e Cobalto, além de outros metais em menor percentagem (o próprio nome é a junção dos principais elementos Al, Ni, Co), cuja formula tinha sido descoberto vinte anos antes para fins bélicos. Esta liga possui capacidades magnéticas de tal ordem que um imãn de Alnico consegue suportar 1000 vezes o seu próprio peso e Carrara viu nele um grande potencial para os seus projectos.

Não é portanto de estranhar que, em 1947, Carrara resolva projectar um brinquedo que conseguisse demonstrar o poder do magnetismo e as suas possibilidades para a arquitectura. Não tendo conseguido aplicar as suas teorias na arquitectura em escala real, resolveu aplicá-las  na pequena escala, num sistema de construções para crianças.

O Magnet Master foi desenvolvido em parceria com o irmão Reno e com o Walker Art Center em Minneapolis chegando a ser sugerido pelo Everyday Art Quarterly como um brinquedo para as crianças de todas as idades, licenciados e estudantes, inclusivé.
Acerca do Magnet Master o autor escreve no catalogo da exposição que lhe é dedicada em 1960 no Milwakee Art Center: “Magnet Master grew out of my experiments with the new found magnetic and electromagnetic metals. Every idea of man is first employed as a toy or in a toy. Every scientific principle was at first presented in a toy form. magnet Master grew out of a comprehensive study of man’s methods of fastening materials . . . joinery techniques. The uses inherent in Magnet Master for architecture and other fields are apparent. As a study method Magnet Master was first exhibited and manufactured with the tremendous encouragement and financial help of the Walker Art Center in Minneapolis, which deserves the credit or whatever popular acceptance this adventure has received. The unit shown here has been distributed around the world, it is hoped with some good effect. It has been expanded as an architectural concept for the first time in the Franklin Delano Roosevelt Memorial”.

Vendido numa caixa de cor amarelo limão, o Magnet Master, era composto por um conjunto de peças metálicas que se juntavam por encaixe ou por magnetismo. Era possível construir estruturas tridimensionais onde as ligações magnêticas davam uma extrema leveza e elegância às partes chegando a desmaterializar quase por completo o conjunto. Além disso, o facto de o brinquedo ser magnêtico permitia que as crianças juntassem, para o complementar, outras peças metálicas, como clips, molas ou alfinetes.
Não eram fornecidas instruções uma vez que, como dizia o panfleto publicitário do brinquedos, “children are naturally imaginative and will derive greater pleasure and benefit when left to their own images and devices”. Esta ideia estava na base de um artigo promocional da revista Look de Fevereiro de 1949 onde o pintor Max Weber se apresentava a brincar com o filho de onze anos Johnny com Magnet Master .
O brinquedo chegou a ser publicitado em vários museus e instituições educacionais; no quarto dos brinquedos da casa protótipo de Marcel Breuer construída no Moma de New York, na exposição de 1949, havia um Magnet Master.

Em 1960, Carrara participou no concurso para o memorial a Franklin Delano Roosevelt com uma proposta inspirada nas investigações que tinha desenvolvido para o projecto do Magnet Master: uma pirâmide com uma esfera suspensa num campo magnético.
Apesar de ter tido um forte apoio comercial e ter sido associado a alguns dos mais importantes autores da altura, o Magnet Master nunca chegou a ser um sucesso comercial. Ficou para a história como um verdadeiro paradigma entre os brinquedos de arquitectura.

La infancia de las vanguardas: sus profesores desde rousseau a la bauhaus

Juan Bordes é um escultor espanhol e um colecionador de várias coisas. Uma das suas coleções foi exposta no Museu Picasso, em Málaga, em 2010 numa exposição com o título de "Los juguetes de las vanguardias". O projecto procurava encontrar as raízes educativas dos artistas que participaram nas vanguardas do século XX reunindo artefactos pedagógicos, manuais e brinquedos. A exposição nasceu da colecção privada de Bordes que já tinha servido, anteriormente, para a publicação de um livro de grande qualidade gráfica e científica: La infancia de las vanguardias: sus profesores desde rousseau a la bauhaus
Ao folhear o livro conseguimos perceber as origens pedagógicas do dadaismo, do cubismo ou do futurismo. Se por um lado a historiografia oficial da arte do século XX retrata com maior ou menor pormenor as obras e os autores, as dinâmicas educativas que possibilitaram as grande rupturas nos paradigmas artísticos raramente foram objecto de atenção. A única exceção foi a Bauhaus que representou, e ainda representa, um caso de estudo praticamente inesgotável.

Bordes conta esta história. Uma história que aconteceu nos infantários, nas escolas ou nas casas e que teve, com pano de fundo, pensadores do calibre de Rousseau, de Pestalozzi ou de Froebel. Ao longo das 300 páginas, ricas em fotografias de alta qualidade, o autor consegue cartografar um fenómeno que nos fascina pela sua evidência e pela beleza e qualidade dos objectos expostos.
Creio que dificilmente encontraremos algo de tão bonito e intelectualmente estimulante entre os materiais de estudo dos nosso filhos. E isto, claramente, da que pensar. 

Bordes, Juan. 2007. La infancia de las vanguardias: sus profesores desde rousseau a la bauhaus. Madrid: Ediciones Cátedra.

Anne Tyng, Loius Kahn e os brinquedos

O frenesim tecnológico e científico que se viveu no pós-guerra europeu e norte-americano é bem testemunhado pelos meios de informação que, na altura, procuravam divulgar as inúmeras inovações que diariamente eram descobertas, inventadas ou produzidas. Entre as revistas, a Popular Mechanics Magazine era certamente uma das mais activas e, como diz o próprio nome, populares. Esta revista, cujo primeiro número é de 1902, já teve versões traduzidas em nove línguas e nos seus números podem encontrar-se artigos sobre os mais variados temas tratados de forma compreensível através de textos acessíveis e de imagens explicativas.

Uma das coisas mais divertidas é folhear números antigos e ver a ingenuidade com a qual eram aceites certas invenções e, entre estas, os brinquedos que eram pensados para as crianças. Já tive oportunidade de mostrar, por exemplo, algum dos jogos produzidos por Guilbert nos quais existiam substâncias radioactivas ou fortemente tóxicas. Noutros casos, havia quem se lembrasse de construir pequenos submarinos onde as crianças podiam entrar para navegar em pequenos rios ou lagos... ou ainda mini canhões perfeitamente funcionantes para mostrar aos filhos como funciona a artilharia.

Numa das minhas visitas aos números antigos da Popular Mechanics Magazine encontrei, no número de Agosto de 1950, um artigo sobre um projecto de um sistema de montagem que permitia construir ora brinquedos de grandes dimensões, ora peças de mobiliário para crianças.. Tratava-se de um conjunto de peças em controplacado recortadas, bastante engenhoso, com um sistema de encaixe extremamente simples, sem recorrer a parafusos ou porcas para a montagem. Entre as fotografias presentes no artigo havia uma da autora do projecto “make-it-and-brake-it”: Anne Tyng.

Este nome não me era completamente novo, não conseguia lembrar onde ou quando o teria ouvido, mas até as minha filhas de 7 anos sabem que com o Google já não existem secretos ou dúvidas...

Começou-se a fazer luz: Anne Griswold Tyng, nascida em Kuling, na província chinesa de Kiangsi, em 1920, é arquitecta e professora conhecida, entre outras coisas, pela sua luta pela emancipação da mulher no âmbito das artes. Anne sempre defendeu a importância da mulher passar de musa para heroína libertando, assim, o seu próprio potencial criativo.

Quarta filha de um missionário episcopal, em 1938 Anne aproveitou um dos regressos sabáticos da família aos Estado Unidos para ficar definitivamente neste pais. Após uma licenciatura no Radcliffe College, Anne Tyng foi, em 1942, uma das primeira mulheres a receber um Mestrado em Arquitectura pela Universidade de Harvard. Nesta faculdade chegou a ser aluna de Walter Gropius e Marcel Breuer.

Após a formação académica, Tyng começou a trabalhar no gabinete de Konrad Wachsmann, em Nova Iorque, na firma de design Van Doren, Nowland and Schladermundt e na Knoll Associates. Já o facto de ser uma mulher que aprendeu e trabalhou com profissionais e em escritórios deste calibre valeria a Anne Tyng um lugar de respeito na história da arquitectura moderna, mas o que a tornou mesmo famosa foi o que aconteceu depois de 1945.
 
Em 1945 Tyng mudou-se para Philadelphia e ingressou no escritório de Louis Kahn, que na altura ainda era sócio de Oscar Stonorov, onde participou em vários projectos, entre os quais o plano para Philadelphia (1946-52). Em 1947, Kahn desfez a sociedade com Storonov e a Tyng manteve-se no seu escritório onde ficou até 1964.  Durante este período participou em vários projectos de Kahn e, além disso, envolveu-se numa relação com este arquitecto da qual resultou uma filha, Alexandra. A “família” que Louis criou com Anne foi uma das três que este arquitecto foi criando e mantendo ao longo da sua vida; em 1947 Anne Tyng tinha 27 anos, era uma mulher bonita e inteligente e Kahn, como se veio a demonstrar mais tarde, nunca teve uma grande capacidade de resistência a estes argumentos...

A colaboração de Anne Tyng com Kahn é bem visível em projectos como a Yale University Art Gallery (1951-53), a Philadelphia City Tower (1952-57) ou o Trenton Bath House (1955-56); todas obras marcadas pelo rigor geométrico tanto no estudo tipológico como na composição arquitectónica ou nas soluções estruturais.

Sobre a relação entre Anne com Kahn poder-se-ia escrever muito mais, tanto um como outra eram pessoas especiais e do amor que os uniu, além de uma filha, ficaram as cartas que trocaram, entre 1953 e 1954, aquando Anne esteve em Roma, cidade onde nasceu Alexandra. Nesta obra, publicada por Anne Tyng em 1997, são recolhidas as 53 cartas que Kahn lhe escreveu, com uma frequência semanal, e onde se encontram, além das conversas privadas entre dois amantes, comentários sobre a situação política, sobre os colegas ou sobre a arquitectura em geral. Prefiro deixar ao belíssimo filme My Architect realizado por um dos filhos do arquitecto, Nathaniel Kahn, o retrato deste homem que morreu misteriosamente em 1974, completamente falido e sozinho.

Depois da saída do escritório de Kahn, Anne Tyng continuou a investigar a relação que existe entre a geometria e a arquitectura. Além disso foi produzindo muitos artigos sobre urbanismo e sobre a sua experiência profissional num campo dominado pelos homens. Em 1968 começou a ministrar cursos sobre a ordem geométrica e a escala humana na arquitectura, na Universidade de Pennsylvania, onde ficará até 1995.

Numa vida tão intensa, os brinquedos ficaram esquecidos e a autora, que ficou conhecida por outras obras, na altura ganhou uma certa notoriedade com eles. Se olharmos com alguma atenção ao artigo publicado pela Popular Mechanics e o relacionarmos com o contexto histórico, percebemos que os brinquedos eram, de facto, algo de muito inovador. Poder-se-á chegar a dizer que se encontram ao nível de outros brinquedos que lhe são contemporâneos como os do casal Eames, sobre os quais já escrevi, ou os de António Vitali, um designer de brinquedos suíço sobre o qual irei falar um dia destes. Feitos inteiramente em placas de contraplado recortado, possuem umas formas complexas de forma a servirem para, quando unidas, construir vários objectos muito diferentes.  Na altura o contraplacado era um material inovador; se quiséssemos fazer um paralelo com a actualidade poderíamos falar em kevlar ou em fibra de carbono. Era um material reservado à construção de edifícios ou móveis ou ainda, ao longo da Segunda Guerra Mundial, na construção de barcos ou de veículos para desembarque. Resistente mas flexível, leve mas duradouro aos elementos, o contraplacado era um dos materiais mais promissores da época; mesmo na decada de 1940 Charles Eames tinha começado a projectar e produzir as suas famosas cadeiras em contraplacado moldado.

Além da adopção do material, a ideia de que a criança possa mudar a sua envolvente e os seus objectos com extrema facilidade e rapidez é algo que, na altura, era extremamente inovador . Era inovador na medida em que se encontrava em sintonia com os movimentos filosóficos que, na altura, pregavam a necessidade de mudar os paradigmas de ensino. John Dewey (1859-1952), um filósofo norte-americano, foi um dos principais responsáveis pela introdução do Pragmatismo nas práticas educativas ao defender que a criança aprende sobretudo através da acção e não só através da observação ou do estudo. Neste sentido entregar à criança um objecto mutável, manipulável não era, de todo, algo trivial (o brinquedo “The Toy” de Charles Eames será produzido dez anos mais tarde). Além disso a complexidade geométrica das peças e das combinações possíveis demonstrava a vontade da autora em sensibilizar a criança para o conhecimento geométrico e compositivo através da brincadeira ou, em geral, da ocupação. Sentiu esta necessidade no duplo papel que tinha e que era, na altura, algo de muito raro: arquitecta e mãe.

Versão inglesa deste artigo.

Fontes:
http://www.philadelphiabuildings.org/pab/app/ar_display.cfm/21436
http://www.upenn.edu/gazette/0107/feature1_3.html
http://daddytypes.com/2009/10/13/holy_smokes_its_the_tyng_toy.php

Mais uma archistar: a Barbie architecta

Finalmente é oficial: a boneca Barbie, que apesar de ter 52 anos de idade continua linda, com um peito firme e sem um vestígio de celulite, terá, neste Outono, a sua versão arquitecta.
Óculos de massa, capacete, maqueta e rolo com desenhos técnicos são os acessórios que a Mattel achou mais pertinentes para uma arquitecta que, para a felicidade dos trolhas, visita as obras de saia curta e botins pretos. Os piropos não faltarão.

A história não é curta e, tão pouco, simples, pois é desde o ano 1959 que a Barbie foi construindo um currículo profissional impressionante com mais de 120 ocupações diferentes: começou por ser, entre outras coisas, bailarina, babysitter ou astronauta. A partir da década de 1970 ganhou novos papéis como cirurgiã, médica, embaixadora ou ainda ginasta ou paleontologista (os curiosos poderão encontrar uma lista completa das profissões e dos respectivos anos de lançamento na Internet).

Em 2001, a Mattel promoveu a operação “I can be…”, que lembra vagamente um famoso slogan eleitoral norte-americano, através da qual recolhe os votos e as ideias de milhões de adeptos da Barbie. Surgem novas profissões ou novas versões de profissões já existentes: motorista de autocarro, veterinária ou pediatra. A lista é extensa mas, em mais de cinquenta anos de vida profissional, a Barbie nunca tinha sido arquitecta.

Esta falha ainda existiria se não fosse o empenho de Despina Stratigakos, historiadora do Departamento de Arquitectura da Universidade de Nova Yorque e autora do galardoado livro “A Women's Berlin: Building the Modern City”. Em 2007 Stratigakos chega a organizar uma exposição com o título “Architect Barbie” onde são expostas várias bonecas que representam outras tantas variações sobre o tema profissional da arquitectura. A autora lamenta o facto de, apesar das mulheres representar em mais de 40% dos estudantes do curso de Arquitectura, as mesmas representam só 13% na vida profissional. No documento que acompanha a exposição, a Stratigakos lança um claro apelo: "As a scholar and educator deeply concerned with making architecture not only relevant to little girls, but also women relevant to architecture, I hope to persuade Mattel to reconsider the viability of Architect Barbie."
Mais tarde, em 2010, surge a oportunidade que Despina esperava: a Mattel promove outra edição da operação “I can be…” para que o público escolha mais uma profissão para a Barbie ( a 125ª). Para não perder esta oportunidade, a Stratigakos juntou-se a Kelly Hayes McAlonie, presidente do AIA (National Professional Association of Architects) em Nova Iorque e biografa de Louise Bethune (a primeira arquitecta norte-americana) para fazer uma campanha a nível planetário. Apesar de não terem conseguido que a Barbie arquitecta ganhasse (ganhou a engenheira informática), foram tantos os votos recolhidos  e os meios mobilizados que a Mattel pediu às duas que colaborassem na criação desta profissão.
Assim, em Fevereiro deste ano, durante a Feira do Brinquedo de Nova York (a mesma que serviu, em 1959, para lançar a boneca) a Mattel anunciou que no Outono de 2011, passados 52 anos desde a sua premeria versão, irá ser posta à venda a Barbie arquitecta.

Será o caso de dizer que o desemprego não poupa ninguém…

O brinquedo futurista

Há quem diga que o mundo mudou muito. Há quem diga que o mundo foi sempre o mesmo. Eu digo que o mundo foi sempre muito diferente e que é impossível reconhecer, por cada época, um único pensamento colectivo ou dominante. Depende tudo da realidade para onde olhamos: por vezes existem verdades muito próximas no tempo e no espaço e, mesmo assim, profundamente diferentes.

Em outros artigos tive a oportunidade de falar de brinquedos desenvolvidos ao longo das primeiras décadas do século XX. Foram tempos de grande fervor intelectual em que alguns sectores da cultura ocidental sofreram grandiosas transformações. Pensamos assim: em 1910 Kandinsky tinha 44 anos, Picasso, Léger, Kupka e Balla, 39; Mondrian e Boccioni, 38; Duchamp 33; Itten e Malevich 32; Klee 31 e Rodchenko 29. O “fontanário” de Duchamp foi exposto, pela primeira vez, em 1916. A escola Bauhaus abriu em 1919 e, em 1928, foi organizado o primeiro CIAM (Congrès Internationaux d'Architecture Moderne). Pensando no que acontecia em finais do século XIX, podemos imaginar o fervor cultural que invadiu certos sectores culturais e o entusiasmo que reinava nos círculos intelectuais europeus.
Mas, como disse no princípio, a história nunca tem um único vector. A Alemanha do princípio do século XX, por exemplo, foi um dos berços das mais agudas expressões da modernidade e, ao mesmo tempo, das mais assustadoras ideologias reaccionárias. Além disso, por vezes, ideologias extraordinariamente diferentes e distantes partilham manifestações culturais comuns mas cujo verdadeiro significado muda quando devidamente contextualizado.

Neste cenário, um dos movimentos ideologicamente mais complexos foi certamente o dos Futuristas. Esta corrente, que teve início com artistas italianos, foi fundada com um documento, em França no Figaro, e que se alastrou a outros países entre os quais a Rússia. Chegou a produzir obras em praticamente todos os campos artísticos. Algumas delas verdadeiramente notáveis. Uma corrente revolucionária que exaltava a violência, a guerra e a superioridade do Homem através do domínio da tecnologia e do progresso científico. A cidade dos futuristas era um organismo sempre em obras, em perene transformação, com enormes vias de comunicação percorridas a grande velocidade por veículos extraordinariamente sofisticados. Alias, a velocidade, a potência e o movimento eram alguns dos conceitos chave presentes no Manifesto Futurista de 1909 onde um dos autores, o pintor Marinetti, escrevia: “Nós queremos cantar o amor pelo perigo, o hábito a energia e ao atrevimento. A coragem, a audácia, a rebelião, serão elementos essenciais da nossa poesia! (...) Não existe mais beleza se não na luta. Nenhuma ópera que não tenha um carácter agressivo pode ser uma obra de arte”.

Para os arquitectos ficou a figura mítica de António Sant’Elia, arquitecto visionário que morreu pela mão daquilo que o amigo e companheiro ideológico Marinetti defendia ser o grande instrumento de higiene do mundo: a guerra. O seu entusiasmo levou-o, em 1915, a listar-se no exército italiano; o mesmo entusiasmo que acabou quando, no dia 10 de Outubro de 1916, com apenas 28 anos de idade, Sant’Elia foi atingido por uma bala na testa durante um assalto à trincheira inimiga.


Mas o que me levou a falar nos futuristas é um documento que encontrei recentemente: o manifesto com o título Ricostruzione futurista dell'universo (Reconstrução futurista do universo). Datado de 11 de Março de 1915 foi assinado por “Giacomo Balla, Fortunato Depero, artistas futuristas” e defendia uma refundação total do universo para torná-lo mais alegre.
A coisa curiosa é que um documento tão ideologicamente e politicamente poderosos tem uma extensa parte que fala de brinquedos. Em 1915 artistas comprometidos com uma ideologia revolucionária com o projecto de mudar o universo exprimem-se, num documento oficial, sobre como deveriam ser os brinquedos e as brincadeiras futuristas.

Tanto Giacomo Balla como Fortunato Depero já tinham desenhado brinquedos. O primeiro era pintor, escultor e cenógrafo, pontilhista e, claro, futurista, procurava interpretar o tempo e a mudança nas artes plásticas através da representação dos movimentos no espaço. O segundo era pintor escultor e publicitário, ficou na história pela sua obra de grande criatividade e que, ainda hoje, simboliza graficamente a ideia de vanguarda. Ambos, em ocasiões diferentes, tinham tido oportunidade de aplicar as técnicas artísticas ao desenho de bonecos extremamente modernos. Curioso e, ao mesmo tempo, extremamente interessante. Vamos ver:














O brinquedo futurista
Nas brincadeiras e nos brinquedos, assim como em todas as manifestações tradicionalistas, não existe outra coisa se não uma grotesca imitação, timidez, (comboínhos, carrinhos, bonecos imóveis, caricaturas idiotas de objectos domésticos), anti-desportivos ou monótonos, somente úteis para tornar estúpida e triste a criança.
Através de modelos complexos nós iremos construir brinquedos que educarão a criança:
  1. a rir abertamente (pelo efeito de truques exageradamente divertidos);
  2. a máxima elasticidade (sem recorrer ao lançamento de projécteis, chicotadas, picadelas improvisas, ect.);
  3. ao lançamento imaginativo (através de brinquedos fantásticos observados através de lentes; caixinhas para serem abertas à noite, das quais irão rebentar maravilhas pirotécnicas; engenhos em transformação, etc.);
  4. a estender infinitamente e a tornar mais ágil a sensibilidade (no domínio infinito dos sons, cheiros, cores, mais intensos, mais agudos, mais excitantes);
  5. a coragem física, a luta e a GUERRA (através de brinquedos enormes que funcionarão ao ar livre, perigosos, agressivos).
O brinquedo futurista será extremamente útil também para o adulto, dado que este ficará jovem, ágil, alegre, desinibido, pronto para tudo, incansável, instintivo e intuitivo.

Assim pensavam eles, os futuristas, em 1915.

Charles e Ray Eames - Das casas aos piões

Apesar de ter construídos só alguns edifícios, o casal Charles e Ray Eames ocupa um lugar de pleno direito na história da Arquitectura da segunda metade do século XX. Este lugar foi-lhes garantido pela capacidade de criar obras de referência em campos tão diversificados como são a arquitectura, o projecto de instalações, o design industrial, o Cinema e, entre outros, o desenho de brinquedos. Uma capacidade de percorrer diferentes âmbitos artísticos com recíprocas contaminações e resultados verdadeiramente notáveis.
Creio que todos nós, algum dia, já nos sentámos numa cadeira desenhada por Eames (ainda hoje sinónimos de modernidade e de bom gosto) e alguns já tiveram oportunidade de ver um dos seus filmes como o famoso “Power of ten”, de 1968, em que o espectador assiste a um percurso que o leva desde o espaço sideral até ao interior do corpo humano com saltos de distâncias medidas em potências de dez metros. Algo muito parecido com o que hoje conseguimos fazer com o zoom de Google Earth.

Charles e Ray adoravam brinquedos, possuíam uma vasta colecção que lhes servia como material para realizar filmes e como fonte de inspiração para vários projectos. Não é casual, por exemplo, a semelhança entre a casa Case Study House #8, provavelmente o edifício mais conhecido, e um papagaio. No seu interessante artigo Toy , Tamar Zinguer, professora da Cooper Union de Nova York, lembra que Charles Eames tinha uma paixão por papagaios e era frequentemente convidado para participar em competições. Num artigo de Setembro de 1950, publicado pela revista Architectural Fórum, com o título “Life in a chinese kite”, a casa é descrita como exemplo de eficiência tecnológica na utilização de materiais, cores e transparência fazendo o paralelo explícito com a construção de papagaios. Os mesmos papagaios que aparecem regularmente como elementos de decoração nos projectos dos Eames e que eram considerados, por Charles, um conúbio entre tecnologia, design e brincadeira. Diziam que projectavam brinquedos para os próprios netos e para os filhos dos colaboradores e dos amigos, mas a verdade era que para eles os brinquedos eram um assunto muito sério e que ocupava uma parte importante da actividade do escritório. Charles defendia que os brinquedos transportam os paradigmas tecnológicos e culturais da época em que são produzidos.

Os primeiros produtos surgem em 1945 quando os Eames aplicam a tecnologia da moldagem de madeira contraplacada ao fabrico de mobiliário para crianças. Cadeiras, mesas e bancos além de uma série de animais (entre os outros o famoso elefante) são realizados neste material inovador com o qual, entretanto, o escritório Eames tinha ganho dinheiro vendendo milhares de talas anatómicas ao exército dos Estados Unidos. Aliás, as talas foram uma das principais fontes de rendimento do casal desde 1941 até a morte de Charles, em 1978.

São de 1950 as máscaras e disfarces de animais para crianças e para adultos, que foram os primeiros brinquedos produzidos em massa. Chegaram a ser vendidas pela Tigrett Enterprises, uma produtora de brinquedos do Tennessee que, mais tarde, irá produzir o conhecido cabide com bolinhas coloridas desenhado pelos mesmos autores. As máscaras eram produzidas com cartolina e tinha formas de pássaros, peixes a outros animas. Eram vendidas  pré-recortadas e eram montadas em casa pelos compradores. Nunca chegaram a ser um artigo de grande sucesso mas serviram como experiência de materiais e de produção para outros brinquedos.

Um ano mais tarde é colocado à venda o que é certamente um dos brinquedos mais interessantes destes arquitectos: The Toy. Era vendido numa caixa colorida em forma de tubo com secção hexagonal onde, numa das faces, podia-se ler: “Large-Colorful-Easy to Assemble-For Creating A Light, Bright Expandable World Large Enought To Play In and Around”. No interior encontravam-se painéis triangulares e quadrados feitos em tecido de plástico, também este um material que tinha sido recentemente descoberto. Os painéis, de cores vivas, tinham umas baínhas nos lados onde podiam ser enfiados uns pauzinhos de madeira permitindo construir estruturas tridimensionais abertas ou fechadas. As instruções diziam: “The Toy gives each one the means with which to express himself in big structures and brilliant color”. Na sua versão original, The Toy era vendido numa caixa quadrada e os paineis eram rígidos. Sob conselho da firma que o comercializava, a Sears, Roebuck & Company, a embalagem passou para a sua versão em tubo e os paineis tornaram-se flexíveis para serem enrolados em volta dos pauzinhos no interior da embalagem. Já nesta nova configuração, o brinquedo chegou a ser objecto de um artigo publicado em 16 de Julho de 1951 na revista LIFE onde foi definido como “one of the most imaginative playthings of the year (...) to intrigue Young men (5-10) who have an engineering or architectural bent and Young ladies (same ages) with a homing instinct”. The Toy, que podia ser considerado como um papagaio desmontado, apareceu frequentemente em fotografias publicitárias da altura e é, juntamente com House of Cards, um dos brinquedos mais paradigmáticos dos Eames pela sua flexibilidade criativa e pela sua eficácia construtiva. Em 1952 foi produzida uma versão reduzida e com algumas variações chamada The Little Toy. Neste modelo, os painéis eram rígidos e existiam aros triangulares e quadrados já prontos para serem unidos com fios de arame. The toy é hoje um artigo de colecção, os poucos exemplares que foram transaccionados recentemente atingiram valores próximos dos 1000 dólares, em leilões especializados.

É de 1952 o jogo House of Cards; um baralho de 54 cartas, cada uma com seis ranhuras, duas em cada lado comprido e uma em cada lado curto. As ranhuras permitiam encaixar as cartas de forma a construir estruturas tridimensionais rectas ou curvas. Cada carta tinha, de um dos lados, uma imagem fotográfica ou um padrão gráfico e, do outro, um asterisco preto. Uma segunda versão tinha, do lado das imagens, reproduções daqueles que os Eames chamavam “coisas boas” como eram objectos familiares, animais ou imagens da natureza. Algumas cartas tinha imagens de brinquedos, tesouras, botões, novelos de lá ou ainda dedais ou pastéis de cor, entre outras coisas. As imagens foram escolhidas entre centenas e foram envolvidos pessoalmente todos os funcionários do escritório tanto na pesquisa como na escolha, mas a selecção final era de responsabilidade do designer de tecidos Alexander Girard que colaborava regularmente com o escritório dos Eames. As cartas ficaram em produção nos EUA até 1961, sendo que, em 1953, começou a ser produzida uma versão gigante e mais erudita e, em 1970, uma versão com imagens referentes ao universo dos computadores chamada, justamente, Computer House of Cards.

Alexander Girard, cujas bonecas são ainda hoje produzidas pela Vitra, participou também no projecto do brinquedo The Coloring Toy de 1955. Produzido pela Tigrett Enterprises, o conjunto continha cartolinas pré-recortadas, pastéis de cera e ataches. As cartolinas podiam ser usadas como escantilhões para pintar figuras e as peças de cartolina separadas podiam ser unidas com os ataches para formar bonecos articulados que, também, podiam ser pintados. Nas instruções havia uma pequena aula de pedagogia: “The purpose of The Coloring Toy is to provide a sort of jet assist into a world of color, drawing, shapes, and Play. This world discovered and rediscovered by all children and is their own creation. The Coloring Toy does not presume to make artists out of children or to teach them how to play (children are far ahead of us on both counts). But we do hope that the contents of this box and the clues it offers will stimulate the use if these and other materials in an ever-expanding variety of ways”. 

A capacidade inventiva de Charles Eames era de tal ordem que, em 1957, construiu a Solar Do-Nothing Machine que, como dizia o autor: “não é suposto fazer nada, a sua função é ser” mas cujos movimentos e brilhos metálicos fascinava crianças e adultos. Esta máquina foi realizada para uma encomenda da Alcoa, um grupo industrial norte-americano que na altura apostava fortemente na utilização de alumínio e tinha uma campanha de encomendas/patrocínios a artistas ou designers conhecidos. Quando Charles pediu ajuda à universidade para desenvolver um sistema mais eficiente, esta manifestou logo interesse, não para ajudar mas sim para tentar compreender como funcionaria umas das primeiras máquinas a energia solar.

Em 1959, o escritório Eames volta ao brinquedos com o projecto da Revell Toy House. Uma casa de bonecas projectada para a fábrica de brinquedos Revell, com um sistema construtivo e uma linguagem arquitectural muito idêntica à utilizada na Case Study House #8 projectada e construída dez anos antes. A Revell queria incluir este artigo numa linha de brinquedos ligados a uma ideia de “casa moderna”, um projecto que combinava perfeitamente com o fervor doméstico do pós-guerra norte-americano. O kit contava com um sistema de unidades modulares constituídas por paredes e grelhas de plástico obtidas por injecção. A montagem destas componentes permitia realizar casas com vários quartos de um piso ou casas com mais pisos. O protótipo tinha miniaturas de mobiliário feitas em plástico moldado além de uma grande quantidade de outros acessórios. A produção nunca chegou a arrancar porque existiam grandes dificuldades em produzir as peças dada a sua grande fragilidade e a precisão necessária para garantir a qualidade exigida. Mesmo assim a Herman Miller (a mesma firma que produzia as peças de mobiliário desenhadas por Eames) chegou a produzir uma versão em tamanho reduzido destas casas que utilizava como modelo de exposição da sua produção.

Em 1969, Charles Eames realiza “Tops”, um filme fruto do fascínio que tinha por piões. O casal possuía uma colecção muito extensa com exemplares vindos da China, da Índia, do Japão ou do México, além de ter construído mais de uma centena por conta própria. O filme, além de mostrar como, ao longo do tempo, o pião representou um brinquedo onde se reflectia uma capacidade artesanal e artística de uma determinada cultura, consegue explicar alguns fenómenos físicos que estão, justamente, presentes no seu funcionamento (o filme era frequentemente projectado para os estudantes do MIT, num curso de física). 

Actualmente só alguns dos brinquedos desenhados por Eames se encontram à venda. O House of Cards ainda é produzido e imitado pelo mundo fora (até existe uma versão portuguesa). Os bancos para crianças em contraplacado moldado em forma de elefante são produzido pela Vitra em várias cores e os filmes podem ser comprados já digitalizados em DVD.
Os brinquedos de Eames são mais um exemplo de objectos onde se condensa, numa função tão aparentemente banal como é a do brincar, não só o zeitgeist de uma época, como a estrutura intelectual do seu autor. Temas como a modularidade, a variação cromática e gráfica, o conforto e a ergonomia ou a produção em série eram temas caros ao casal Eames que facilmente se reconhecem nos seus brinquedos. Às vezes a criança é convidada a lidar com a beleza das imagens de objectos domésticos para descobrir e compreender uma cultura material que lhe pertence, como é o caso de House of Cards. Outras é estimulada a explorar a tridimensionalidade do espaço e da sua ocupação, enquanto experimenta combinações cromáticas e apercebe-se da importância das regras da física, como é o caso do The Toy.  Outras ainda, como acontece com a casa de bonecas projectada pela Revell, é-lhe pedido para lidar com paradigmas formais e domésticos absolutamente inovadores em relação a uma cultura instalada, chegando a desafiar a atávica imagem mental e material de casa.

Fontes:
Neuhart John, Marilyn Neuhart & Ray Eames. 1989. Eames design : the work of the office of Charles and Ray Eames - New York : Harry Abrams
http://www.vitra.com
http://www.americanmemorabilia.com
http://www.eamesoffice.com/

Playtecture

Da colaboração entre o estúdio interdisciplinar Dass e a NearInteraction nasceu Playtecture, uma instalação interactiva que esteve presente no evento Habitar Portugal de 4 de Outubro a 1 de Novembro de 2009 em Cascais. Uma espécie de conúbio entre um Tetris gigante e um SymCity sólido, Playtecture é um espaço lúdico interactivo onde um sistema digital reage às composições espaciais feitas pelos utilizadores. Do site: “Como vai ser a cidade do futuro? Playtecture é um jogo ficcional de arquitectura, que explora o tema da cidade do futuro, através da criação de um ambiente urbano dinâmico, lúdico e emocional que muda e interage em tempo real com o público”.



Um dos aspectos mais interessantes deste projecto é o facto de ser possível jogar com desconhecidos que se encontram casualmente na exposição. Desta forma a criança, ou o adulto, compreende e apreende a importância da iteração com os outros na construção dialéctica do espaço urbano. Apreende que as dinâmicas da cidade não dependem, nunca, das decisões individuais mas passam sempre pela negociação com os outros ou mesmo entre os outros.  

O brinquedo de Malévitch

Em Fevereiro de 2009 estive em Paris para um "fim-de-semana sem filhas" (só quem é pai sabe o que isto significa). Mesmo já tendo lá estado muitos anos antes, resolvi fazer uma visita ao Centre Pompidou e, já agora, ver a sua colecção de arte contemporânea. Na altura já estava interessado nos brinquedos mas ainda não investigava de forma sistemática a ligação destes com a Arquitectura. Quando, no último andar da exposição, encontrei os modelos originais dos ornamentos suprematista de Kasimir Malévitch pensei logo: “isto dava um belíssimo brinquedo”, do género dos produzidos pela firma suíça Naef. Lembrei-me das fantásticas construções desenhadas em 1924 por Alma Siedhoff-Buscher ou ainda das de Ladislav Sutnar, sobre as quais já escrevi um post em Março. Fotografei-os e continuei o meu passeio predizendo que, mais tarde, iria pensar no assunto com mais tempo e seriedade. Desta ideia podia surgir alguma coisa mesmo interessante.

Kasimir Malévitch  (1878-1935) era pintor e fez partedas vanguardas do abstractismo russo do princípio do século XX. Mais especificamente, fundou o suprematismo, um movimento artístico centrado nas forma geométricas básicas, como o quadrado e o círculo, tanto na sua aplicação bi como tridimensional. Malévitch chamou a este movimento suprematismo por considerar a arte abstracta superior a figurativa tanto de um ponto de vista intelectual como social. A representação de objectos ou seres viventes , segundo o pintor, não devia interessar o artista cuja obrigação era a de abandonar qualquer relação com a  realidade e concentrando-se na absoluta pureza geométrica. 
O que está exposto no Pompidou são umas maquetas com as quais Malévitch investigava padrões compositivos e decorativos tridimensionais. A conjugação de vários sólidos básicos é feita através de algumas regras geométricas que garantem uma concordância entre as partes digna de uma composição fractal.

Tenho que admitir que nunca mais pensei no assunto desde que voltei de Paris. Quando viajamos fazemos sempre muitos projectos que, de regresso, se dissolvem mal desfazemos as malas.
Nunca mais pensei no assunto até a semana passada quando, enquanto navegava na rede, encontrei isto: http://www.beamalevich.com/ e pensei que, de facto, nunca estamos sozinhos… nem nos sonhos.
Agora só falta mandar vir uma caixa.

Construire, une passion - Les jeux de construction de 1850 à nos jours

Apesar de ter sido editado em 2002, este livro é uma compra relativamente recente; encontrei-o numa livraria do Porto numa daquelas tardes de Sábado em que se passeia pela baixa sem grandes programas ou objectivos. Pouco mais de 32 euros para um livro que, tenho a certeza absoluta, uma vez esgotado nunca mais será reeditado.

O livro é relativamente pequeno (93 páginas) mas de boa qualidade: capa dura, bom papel, boas fotografias e bom arranjo gráfico. Os autores também são de qualidade: Flavio Santi é historiador e foi conservador do Museu Suíço do Jogo (em La Tour-de-Peilz, uma pequena cidade na margem suíça do lago de Genebra, a poucos quilómetros a Este de Lausana), além de ser autor de vários textos sobre brinquedos; Antoine Wasserfallen é arquitecto e professor na Escola Politécnica de Lausana, autor particularmente atento à história da técnica e à sua influência na Arquitectura.
A primeira parte do livro faz uma abordagem teórica do tema dos brinquedos de construção. Flavio Santi, em poucas páginas, explica a abrangência do tema e as possíveis ligações históricas e culturais que podem surgir logo numa primeira aproximação.
Uma segunda parte aprofunda alguns aspectos históricos dos jogos de construção. Locke, Rousseau, Pestalozzi e Frobel são alguns dos nomes que são frequentemente citados nestes textos com o intuito de explicar ao leitor a importância e a abrangência filosófica e pedagógica do fenómeno.
O resto do livro é uma recolha, bem organizada e articulada, dos mais paradigmáticos exemplos de jogos de construções. Desde os Meccano, passando pelos Anker, Lego, Matador ou Fichertechnik, são muitos os sistemas apresentados com excelentes imagens e pequenos mas eficazes textos. Sem excessivos aprofundamentos, o leitor consegue ter uma panorâmica suficientemente completa e ordenada por materiais.
A parte final é um longo texto de Antoine Wasserfallen em que o autor organiza uma narrativa bastante complexa, onde não faltam numerosas referências históricas em torno da formação do Arquitecto e do Engenheiro e da sua relação com os brinquedos de construção.
O livro consegue, de facto, o objectivo proposto pelos autores: os jogos de construção são algo que tanto pertencem à história individual de cada um de nós como a uma história colectiva de desenvolvimento tecnológico e progresso social. Duzentos anos de história de evolução do universo dos adultos e a sua projecção no mundo das crianças. Um excelente exemplo de capacidade de organização de um território em redor de um objecto aparentemente simples e banal como são os brinquedos. Em poucas páginas conseguimos conhecer e fotografar mentalmente um universo que vai desde a pedagogia dos princípios do Século XIX até a tecnologia do Século XXI passando pela estética do século XX.

Aconselho a compra a quem encontrar um exemplar.

Referência:
Flavio Santi, Antoine Wasserfallen. 2002. Construire, une passion - Les jeux de construction de 1850 à nos jours.  Genève: Quiquandquoi. ISBN: 2-940317-05-4