Arthur Carrara e as construções magnéticas

Arthur Carrara nasceu em 1914 em Chicago, Illinois, filho de um imigrante italiano que trabalhava numa fábrica de argila que fornecia peças ornamentais para os edifícios projectados pelo famoso arquitecto norte-americano Louis Sullivan (1856-1924). Desde muito cedo Arthur demonstrou um particular interesse pela Arquitectura e, em 1931, visitou com a escola que frequentava a exposição de Frank Lloyd Wright e assistiu a sua famosa palestra  "To the Young Man in Architecture", proferida ao Art Institute of Chicago. Mais tarde, declarará que este foi um dos momentos mais marcantes e determinantes para a sua vida profissional.
Carrara começou os estudos em arquitectura e engenharia na Universidade do Illinois que o levará, em 1937, a obter aí a licenciatura. Após a conclusão da formação académica trabalhou algum tempo como desenhador no gabinete do arquitecto John van Bergen, um colaborador de Frank Lloyd Wright.

Durante a Segunda Guerra mundial Carrara serviu o Exercito norte-americano no Pacifico como topografo e foi encarregue de projectar alguns edifícios de apoio logístico na Austrália e nas Filipinas.
Em 1943, quando se encontrava na Austrália, o governo deste país encomendou-lhe o projecto do Café Borranical, em Melbourne. O projecto deste espaço, uma teahause, foi para Carrara a oportunidade para experimentar algumas das suas ideias sobre a aplicação de sistemas hidráulicos e magnéticos na construção de edifícios. A solução apresentava uma planta central que lembrava uma flor cujas “pétalas” eram plataformas móveis que, ao mexer, alteravam a forma do edifício e aumentavam a sua área de ocupação.

Em 1944, com a patente de Major do exército, foi convidado pela City Planning Commission, nas Filipinas, para conceber o projecto urbanístico de Manila e Cebu. Estas cidades foram bombardeadas durante a que ficou conhecida como a maior batalha urbana da Guerra do Pacifico. 95 % de Manila, que estava sob domínio Japonês, foi destruída entre 3 de Fevereiro e 3 de Março de 1945 durante uma batalha que foi comparada, pela sua selvajaria, à destruição de Varsóvia ou à batalha de Estalinegrado.

Em 1946, Carrara voltou para Chicago onde abriu um escritório. Chegou a fazer projectos para várias casas, edifícios para serviços, espaços expositivos e para alguns produtos industriais como móveis ou candeeiros. As crescentes encomendas levaram-no, por volta de 1965, a abrir outro escritório em Buffalo, no estado de New York. Sobretudo na década de 1950, o arquitecto projectou várias moradias, entre as quais, muitas casas de férias. Nos projectos reconhece-se a habilidade do autor em conseguir conjugar o estilo Prairie, de Frank Lloyd Wright, com as influências do movimento moderno e algumas experiências high-tech da época.
A ideia de utilizar o magnetismo na construção tinha surgido a Carrara ainda antes da guerra, quando havia hipotizado junções estruturais em edifícios metálicos que se podessem realizar com esse sistema. Todavia, dada a fraqueza dos magnetes disponíveis na altura, esta ideia nunca saiu do papel. Em finais de 1940 descobriu o Alnico, uma liga de Ferro, Alumínio, Níquel e Cobalto, além de outros metais em menor percentagem (o próprio nome é a junção dos principais elementos Al, Ni, Co), cuja formula tinha sido descoberto vinte anos antes para fins bélicos. Esta liga possui capacidades magnéticas de tal ordem que um imãn de Alnico consegue suportar 1000 vezes o seu próprio peso e Carrara viu nele um grande potencial para os seus projectos.

Não é portanto de estranhar que, em 1947, Carrara resolva projectar um brinquedo que conseguisse demonstrar o poder do magnetismo e as suas possibilidades para a arquitectura. Não tendo conseguido aplicar as suas teorias na arquitectura em escala real, resolveu aplicá-las  na pequena escala, num sistema de construções para crianças.

O Magnet Master foi desenvolvido em parceria com o irmão Reno e com o Walker Art Center em Minneapolis chegando a ser sugerido pelo Everyday Art Quarterly como um brinquedo para as crianças de todas as idades, licenciados e estudantes, inclusivé.
Acerca do Magnet Master o autor escreve no catalogo da exposição que lhe é dedicada em 1960 no Milwakee Art Center: “Magnet Master grew out of my experiments with the new found magnetic and electromagnetic metals. Every idea of man is first employed as a toy or in a toy. Every scientific principle was at first presented in a toy form. magnet Master grew out of a comprehensive study of man’s methods of fastening materials . . . joinery techniques. The uses inherent in Magnet Master for architecture and other fields are apparent. As a study method Magnet Master was first exhibited and manufactured with the tremendous encouragement and financial help of the Walker Art Center in Minneapolis, which deserves the credit or whatever popular acceptance this adventure has received. The unit shown here has been distributed around the world, it is hoped with some good effect. It has been expanded as an architectural concept for the first time in the Franklin Delano Roosevelt Memorial”.

Vendido numa caixa de cor amarelo limão, o Magnet Master, era composto por um conjunto de peças metálicas que se juntavam por encaixe ou por magnetismo. Era possível construir estruturas tridimensionais onde as ligações magnêticas davam uma extrema leveza e elegância às partes chegando a desmaterializar quase por completo o conjunto. Além disso, o facto de o brinquedo ser magnêtico permitia que as crianças juntassem, para o complementar, outras peças metálicas, como clips, molas ou alfinetes.
Não eram fornecidas instruções uma vez que, como dizia o panfleto publicitário do brinquedos, “children are naturally imaginative and will derive greater pleasure and benefit when left to their own images and devices”. Esta ideia estava na base de um artigo promocional da revista Look de Fevereiro de 1949 onde o pintor Max Weber se apresentava a brincar com o filho de onze anos Johnny com Magnet Master .
O brinquedo chegou a ser publicitado em vários museus e instituições educacionais; no quarto dos brinquedos da casa protótipo de Marcel Breuer construída no Moma de New York, na exposição de 1949, havia um Magnet Master.

Em 1960, Carrara participou no concurso para o memorial a Franklin Delano Roosevelt com uma proposta inspirada nas investigações que tinha desenvolvido para o projecto do Magnet Master: uma pirâmide com uma esfera suspensa num campo magnético.
Apesar de ter tido um forte apoio comercial e ter sido associado a alguns dos mais importantes autores da altura, o Magnet Master nunca chegou a ser um sucesso comercial. Ficou para a história como um verdadeiro paradigma entre os brinquedos de arquitectura.

La infancia de las vanguardas: sus profesores desde rousseau a la bauhaus

Juan Bordes é um escultor espanhol e um colecionador de várias coisas. Uma das suas coleções foi exposta no Museu Picasso, em Málaga, em 2010 numa exposição com o título de "Los juguetes de las vanguardias". O projecto procurava encontrar as raízes educativas dos artistas que participaram nas vanguardas do século XX reunindo artefactos pedagógicos, manuais e brinquedos. A exposição nasceu da colecção privada de Bordes que já tinha servido, anteriormente, para a publicação de um livro de grande qualidade gráfica e científica: La infancia de las vanguardias: sus profesores desde rousseau a la bauhaus
Ao folhear o livro conseguimos perceber as origens pedagógicas do dadaismo, do cubismo ou do futurismo. Se por um lado a historiografia oficial da arte do século XX retrata com maior ou menor pormenor as obras e os autores, as dinâmicas educativas que possibilitaram as grande rupturas nos paradigmas artísticos raramente foram objecto de atenção. A única exceção foi a Bauhaus que representou, e ainda representa, um caso de estudo praticamente inesgotável.

Bordes conta esta história. Uma história que aconteceu nos infantários, nas escolas ou nas casas e que teve, com pano de fundo, pensadores do calibre de Rousseau, de Pestalozzi ou de Froebel. Ao longo das 300 páginas, ricas em fotografias de alta qualidade, o autor consegue cartografar um fenómeno que nos fascina pela sua evidência e pela beleza e qualidade dos objectos expostos.
Creio que dificilmente encontraremos algo de tão bonito e intelectualmente estimulante entre os materiais de estudo dos nosso filhos. E isto, claramente, da que pensar. 

Bordes, Juan. 2007. La infancia de las vanguardias: sus profesores desde rousseau a la bauhaus. Madrid: Ediciones Cátedra.