Era uma vez ... Joseph Maria Olbrich e a pequena princesa Isabel

Era uma vez, mais precisamente em 1902, o Grão-Duque austríaco Ernesto Luís I de Hesse, irmão mais velho de Alexandra Feodorovna, última czarina de Rússia e, ao que consta, mulher de invulgar beleza. Ernie, assim o chamavam os amigos, era um homem muito poderoso, teve uma intensa e activa carreira militar e estabeleceu ligações e vários títulos através dos seus dois casamentos: o primeiro com a coroa inglesa e o segundo com a russa. 

Apesar de ter sido um dos reinantes europeus com mais títulos, o Grão-Duque viveu uma vida reservada e dedicada à família, longe dos grandes eventos que, na altura, atravessavam os países da Europa. Apesar de querer levar uma vida calma, quase burguesa, Ernie teve uma existência assombrada pelas inúmeras mortes que aconteceram à sua volta desde os dois anos de idade quando assistiu, em 1873, à morte violenta de seu irmão Ernesto, então com 5 anos, que caiu de uma janela sofrendo uma lesão cerebral insarável por causa da hemofilia (uma doença genética frequente nas casas das monarquias europeias). Desde então a morte visitou Ernesto com uma frequência terrível, e este ficou com o pavor de vir um dia a morrer na solidão. A vida deste homem foi de tal ordem trágica que há quem fale em “maldição de Hesse”.

Talvez tenha sido por causa desta profunda tristeza que o acompanhou e da qual não se conseguiu livrar até ao fim da vida que Ernie manteve sempre uma conduta política prudente em que o único âmbito em que se tornou realmente activo foi o das artes. O próprio chegou a escrever poemas, peças de teatro e composições musicais e, em 1901, fundou a Colónia de Artistas de Darmstadt, onde convidou várias celebridades vindas de toda a Europa par dar aulas ou, mais simplesmente, para participar num projecto cultural que ainda existe. Pois apesar de já não ter a importância política de outrora, Darmstadt conserva ainda hoje a sua fama de cidade universitária e de cultura graças a esta herança. Logo em 1901, a Colónia inaugurou a primeira exibição com o título “Ein Dokument deutscher Kunst” (um documento da arte alemã). Apesar de ter sido desastroso de um ponto de vista económico, pois foram gastas enormes quantias de dinheiro para construir edifícios e para patrocinar os artistas que participaram sem ter tido nenhum tipo de retorno, este evento deixou para a posteridade uma serie de belíssimos exemplos de arquitectura que ainda hoje podem ser visitados em Darmstadt. 

Uma das personalidades que o Grão-Duque convidou foi o arquitecto austríaco Joseph Maria Olbrich (1867 - 1908), uma das figuras mais importantes da Secessão Vienense juntamente com Gustav Klimt, Josef Hoffmann e Koloman Moser. Entre outras obras, Olbrich projectou, entre 1897 e 1898, um dos edifícios mais enigmáticos do princípio do século XX:  o edifício de exposições da Secessão em Viena. Este movimento artístico, que surgiu em finais do século XIX e se manteve nas primeiras décadas do século XX, representou mais uma entre as diferentes formas europeias de modernidade. Marcada por uma vontade de autonomia artística juntamente com uma necessidade de ruptura com o passado, a Secessão tinha, num primeiro tempo, características herdadas da Arte Nova chegando, mais tarde, a ganhar uma aproximação com as linguagens e as formas do Movimento Moderno. 

Olbrich projectou várias das casas que foram construídas para a exposição de 1901 e que serviram como galerias de arte para expor as obras os artistas plásticos. O Grão-Duque Ernesto tinha Olbrich de tal forma em consideração que quando casou pela segunda vez com a Princesa Leonor de Solms-Hohensolms-Lich, pediu-lhe para projectar a que ficou conhecida como a “torre do casamento” em Darmstadt. Uma torre em tijolo cujo telhado lembra os cincos dedos de uma mão estendida para o céu.
A torre foi o segundo encargo directo que Ernie deu a Olbrich. O primeiro foi em 1902, quando o Grão-Duque ainda estava casado com a Grá-duquesa Vitória Melita de Saxe-Coburgo-Gota com a qual tinha tido uma filha, Isabel, em 1895, e um filho que nasceu morto, em 1901. Ernie tinha uma verdadeira devoção pela sua filha Isabel; ainda antes dela começar a falar, o Grão-Duque estava convencido que era a única pessoa a compreender o que ela dizia. A história reza que, quando a criança tinha 6 meses, o pai perguntou-lhe qual deveriam ser as cores do seu novo quarto. Quando lhe mostrou um tecido lilás Isabel soltou um gritinho que foi interpretado pelo pai como uma escolha e foi logo ordenado que o quarto da criança fosse decorado em tons de lilás. 

Em 1901 os pais da então pequena Isabel divorciam-se e a mãe mudou-se para Coburgo onde foi morar com o novo marido, o Grão-Duque Cyril Vladimirovich da Rússia, com o qual já mantinha uma relação amorosa antes do divórcio. A Grã-duquesa Vitória não tinha muita paciência para a criança e esta ficava muitas vezes entregue às amas chegando a deixar de querer viajar para Coburgo. Nas suas memórias o pai lembra as dificuldades que tinha para convencer a filha a ir ter com a mãe contando que antes de a entregar encontrava-a a chorar escondida atrás do sofá.
Em Dezembro de 1901 o tribunal de Hesse concedeu finalmente o divórcio ao casal permitindo que, quatro anos mais tarde, Ernie voltasse a casar com a Princesa Leonor de Solms-Hohensolms-Lich com a qual teve dois filhos. Mesmo isto não o livrou das acusações da anterior mulher, a Grã-duquesa Vitória, de ter sido um marido ausente por causa dos frequentes casos homossexuais que tinham arruinado a relação. 


No dia 11 de Março de 1902 Isabel fez 7 anos e o pai pediu a Olbrich que desenhasse uma casa no jardim que fosse só dela. O local escolhido era o jardim do castelo de Wolfsgarten em Langen, uma pequena cidade entre Frankfurt e Darmstadt. O arquitecto, que na altura tinha 36 anos e não tinha filhos, projectou uma casinha à escala da criança com o mesmo empenho que teria tido em qualquer outro projecto de grande envergadura.
A casa, em perfeito estilo arte-nova, tinha uma sala e dois quartos. Continha tudo o que podia ser necessário: uma cozinha com fogão a lenha, móveis em escala reduzida, cortinados, louça e um pequeno jardim vedado à sua volta com 75 pombos de bronze a enfeitá-lo. O pé-direito interior era de 1,90 metros e no frontão aparece gravada a ouro a letra E, inicial do nome da princesa por debaixo de uma coroa, também dourada (Isabel, em alemão, é Elizabeth). No telhado uma coroa simbolizava a realeza e no frontão por cima da entrada podia-se ler “Era uma vez... assim começa o conto de fadas (...) E esta casinha é só minha, construída só para mim em 1902


Olbrich desenhou também a mobília, a decoração e os papeis de parede onde também se encontra a letra E no interior de um padrão geométrico tipicamente arte-nova. Em 1996 a casinha foi remodelada completamente, sendo hoje a única obra de Olbrich que se encontra num estado rigorosamente idêntico àquele que tinha quando foi construída.
Aos adultos era proibido entrar e Isabel passava os seus dias rodeada pelos seus animais de estimação com as governantas e as amas que esperavam agachadas, cá fora, que a princesa acabasse as suas brincadeiras. 

Apesar de ter recebido uma prenda digna de uma princesa e que ainda hoje existe, a pequena Isabel não escapou à maldição de Hesse. No dia 6 de Novembro de 1903, com 8 anos de idade e a plena consciência do que estava a acontecer, morreu de febre tifóide. O corpo foi colocado num caixão de prata e o pai exigiu um funeral onde tudo, desde os cavalos até às flores, tinha que ser branco.

O ano seguinte à morte da pequena Isabel a sua governanta, a Baronesa Georgina Freiin von Rotsmann escreveu um livro para crianças em memória da princesa. Escreveu a história e pediu a Olbrich para desenhar as ilustrações. O título do livro era: "Era uma vez....". No Leopold Museum, em Viena, esteve patente, até finais de Setembro de 2010, uma exposição com o título "Joseph Maria Olbrich - Art Nouveau and Secession" onde estiveram expostas as litografias que serviram para imprimir as ilustrações do livro e onde é fácil reconhecer a casinha que o arquitecto desenhou para a princesa Isabel.


Olbrich durou só mais 4 anos após os quais morreu de leucemia. 

A princesa Vitória, mãe da pequena Isabel, morreu em 1936 no seguimento de um ataque cardíaco provocado pela notícia de que o marido, o Grão-duque Cyril Vladimirovich da Rússia, passava a vida a viajar para Paris onde tinha várias amantes. 

A princesa Leonor, segunda mulher do Grão-Duque Ernesto, morreu no ano seguinte num desastre de avião quando ia participar no casamento do filho mais novo, Luís de Hesse. No mesmo acidente morreram o seu filho mais velho, Jorge, a sua nora Cecília da Grécia e Dinamarca, então grávida de 8 meses, e os seus dois netos, Luís e Alexandre. O avião no qual viajavam embateu contra uma chaminé de uma fábrica perto de Oostende na Bélgica e quem acorreu logo após o acidente contou que havia nos destroços os restos mortais de um feto indicando que os trabalhos de parto tinham começado mesmo antes do acidente.

Em 1918, em pela Primeira Guerra Mundial, foi proposto ao Grão-Duque Ernesto abdicar do trono, mas ele recusou. Mais tarde, ao longo do mesmo ano, Darmstadt e Hesse ficaram incluídas na República de Weimar e o título de Grão-Duque foi abolido. Assim Ernie sobreviveu a todos os protagonistas desta história e morreu sozinho, em 1937, com a idade de 69 anos. 

Algumas fontes:
http://www.architekt-giel.de/
http://mainzauber.de/blog10/
http://romanov.blogs.sapo.pt/

Charles e Ray Eames - Das casas aos piões

Apesar de ter construídos só alguns edifícios, o casal Charles e Ray Eames ocupa um lugar de pleno direito na história da Arquitectura da segunda metade do século XX. Este lugar foi-lhes garantido pela capacidade de criar obras de referência em campos tão diversificados como são a arquitectura, o projecto de instalações, o design industrial, o Cinema e, entre outros, o desenho de brinquedos. Uma capacidade de percorrer diferentes âmbitos artísticos com recíprocas contaminações e resultados verdadeiramente notáveis.
Creio que todos nós, algum dia, já nos sentámos numa cadeira desenhada por Eames (ainda hoje sinónimos de modernidade e de bom gosto) e alguns já tiveram oportunidade de ver um dos seus filmes como o famoso “Power of ten”, de 1968, em que o espectador assiste a um percurso que o leva desde o espaço sideral até ao interior do corpo humano com saltos de distâncias medidas em potências de dez metros. Algo muito parecido com o que hoje conseguimos fazer com o zoom de Google Earth.

Charles e Ray adoravam brinquedos, possuíam uma vasta colecção que lhes servia como material para realizar filmes e como fonte de inspiração para vários projectos. Não é casual, por exemplo, a semelhança entre a casa Case Study House #8, provavelmente o edifício mais conhecido, e um papagaio. No seu interessante artigo Toy , Tamar Zinguer, professora da Cooper Union de Nova York, lembra que Charles Eames tinha uma paixão por papagaios e era frequentemente convidado para participar em competições. Num artigo de Setembro de 1950, publicado pela revista Architectural Fórum, com o título “Life in a chinese kite”, a casa é descrita como exemplo de eficiência tecnológica na utilização de materiais, cores e transparência fazendo o paralelo explícito com a construção de papagaios. Os mesmos papagaios que aparecem regularmente como elementos de decoração nos projectos dos Eames e que eram considerados, por Charles, um conúbio entre tecnologia, design e brincadeira. Diziam que projectavam brinquedos para os próprios netos e para os filhos dos colaboradores e dos amigos, mas a verdade era que para eles os brinquedos eram um assunto muito sério e que ocupava uma parte importante da actividade do escritório. Charles defendia que os brinquedos transportam os paradigmas tecnológicos e culturais da época em que são produzidos.

Os primeiros produtos surgem em 1945 quando os Eames aplicam a tecnologia da moldagem de madeira contraplacada ao fabrico de mobiliário para crianças. Cadeiras, mesas e bancos além de uma série de animais (entre os outros o famoso elefante) são realizados neste material inovador com o qual, entretanto, o escritório Eames tinha ganho dinheiro vendendo milhares de talas anatómicas ao exército dos Estados Unidos. Aliás, as talas foram uma das principais fontes de rendimento do casal desde 1941 até a morte de Charles, em 1978.

São de 1950 as máscaras e disfarces de animais para crianças e para adultos, que foram os primeiros brinquedos produzidos em massa. Chegaram a ser vendidas pela Tigrett Enterprises, uma produtora de brinquedos do Tennessee que, mais tarde, irá produzir o conhecido cabide com bolinhas coloridas desenhado pelos mesmos autores. As máscaras eram produzidas com cartolina e tinha formas de pássaros, peixes a outros animas. Eram vendidas  pré-recortadas e eram montadas em casa pelos compradores. Nunca chegaram a ser um artigo de grande sucesso mas serviram como experiência de materiais e de produção para outros brinquedos.

Um ano mais tarde é colocado à venda o que é certamente um dos brinquedos mais interessantes destes arquitectos: The Toy. Era vendido numa caixa colorida em forma de tubo com secção hexagonal onde, numa das faces, podia-se ler: “Large-Colorful-Easy to Assemble-For Creating A Light, Bright Expandable World Large Enought To Play In and Around”. No interior encontravam-se painéis triangulares e quadrados feitos em tecido de plástico, também este um material que tinha sido recentemente descoberto. Os painéis, de cores vivas, tinham umas baínhas nos lados onde podiam ser enfiados uns pauzinhos de madeira permitindo construir estruturas tridimensionais abertas ou fechadas. As instruções diziam: “The Toy gives each one the means with which to express himself in big structures and brilliant color”. Na sua versão original, The Toy era vendido numa caixa quadrada e os paineis eram rígidos. Sob conselho da firma que o comercializava, a Sears, Roebuck & Company, a embalagem passou para a sua versão em tubo e os paineis tornaram-se flexíveis para serem enrolados em volta dos pauzinhos no interior da embalagem. Já nesta nova configuração, o brinquedo chegou a ser objecto de um artigo publicado em 16 de Julho de 1951 na revista LIFE onde foi definido como “one of the most imaginative playthings of the year (...) to intrigue Young men (5-10) who have an engineering or architectural bent and Young ladies (same ages) with a homing instinct”. The Toy, que podia ser considerado como um papagaio desmontado, apareceu frequentemente em fotografias publicitárias da altura e é, juntamente com House of Cards, um dos brinquedos mais paradigmáticos dos Eames pela sua flexibilidade criativa e pela sua eficácia construtiva. Em 1952 foi produzida uma versão reduzida e com algumas variações chamada The Little Toy. Neste modelo, os painéis eram rígidos e existiam aros triangulares e quadrados já prontos para serem unidos com fios de arame. The toy é hoje um artigo de colecção, os poucos exemplares que foram transaccionados recentemente atingiram valores próximos dos 1000 dólares, em leilões especializados.

É de 1952 o jogo House of Cards; um baralho de 54 cartas, cada uma com seis ranhuras, duas em cada lado comprido e uma em cada lado curto. As ranhuras permitiam encaixar as cartas de forma a construir estruturas tridimensionais rectas ou curvas. Cada carta tinha, de um dos lados, uma imagem fotográfica ou um padrão gráfico e, do outro, um asterisco preto. Uma segunda versão tinha, do lado das imagens, reproduções daqueles que os Eames chamavam “coisas boas” como eram objectos familiares, animais ou imagens da natureza. Algumas cartas tinha imagens de brinquedos, tesouras, botões, novelos de lá ou ainda dedais ou pastéis de cor, entre outras coisas. As imagens foram escolhidas entre centenas e foram envolvidos pessoalmente todos os funcionários do escritório tanto na pesquisa como na escolha, mas a selecção final era de responsabilidade do designer de tecidos Alexander Girard que colaborava regularmente com o escritório dos Eames. As cartas ficaram em produção nos EUA até 1961, sendo que, em 1953, começou a ser produzida uma versão gigante e mais erudita e, em 1970, uma versão com imagens referentes ao universo dos computadores chamada, justamente, Computer House of Cards.

Alexander Girard, cujas bonecas são ainda hoje produzidas pela Vitra, participou também no projecto do brinquedo The Coloring Toy de 1955. Produzido pela Tigrett Enterprises, o conjunto continha cartolinas pré-recortadas, pastéis de cera e ataches. As cartolinas podiam ser usadas como escantilhões para pintar figuras e as peças de cartolina separadas podiam ser unidas com os ataches para formar bonecos articulados que, também, podiam ser pintados. Nas instruções havia uma pequena aula de pedagogia: “The purpose of The Coloring Toy is to provide a sort of jet assist into a world of color, drawing, shapes, and Play. This world discovered and rediscovered by all children and is their own creation. The Coloring Toy does not presume to make artists out of children or to teach them how to play (children are far ahead of us on both counts). But we do hope that the contents of this box and the clues it offers will stimulate the use if these and other materials in an ever-expanding variety of ways”. 

A capacidade inventiva de Charles Eames era de tal ordem que, em 1957, construiu a Solar Do-Nothing Machine que, como dizia o autor: “não é suposto fazer nada, a sua função é ser” mas cujos movimentos e brilhos metálicos fascinava crianças e adultos. Esta máquina foi realizada para uma encomenda da Alcoa, um grupo industrial norte-americano que na altura apostava fortemente na utilização de alumínio e tinha uma campanha de encomendas/patrocínios a artistas ou designers conhecidos. Quando Charles pediu ajuda à universidade para desenvolver um sistema mais eficiente, esta manifestou logo interesse, não para ajudar mas sim para tentar compreender como funcionaria umas das primeiras máquinas a energia solar.

Em 1959, o escritório Eames volta ao brinquedos com o projecto da Revell Toy House. Uma casa de bonecas projectada para a fábrica de brinquedos Revell, com um sistema construtivo e uma linguagem arquitectural muito idêntica à utilizada na Case Study House #8 projectada e construída dez anos antes. A Revell queria incluir este artigo numa linha de brinquedos ligados a uma ideia de “casa moderna”, um projecto que combinava perfeitamente com o fervor doméstico do pós-guerra norte-americano. O kit contava com um sistema de unidades modulares constituídas por paredes e grelhas de plástico obtidas por injecção. A montagem destas componentes permitia realizar casas com vários quartos de um piso ou casas com mais pisos. O protótipo tinha miniaturas de mobiliário feitas em plástico moldado além de uma grande quantidade de outros acessórios. A produção nunca chegou a arrancar porque existiam grandes dificuldades em produzir as peças dada a sua grande fragilidade e a precisão necessária para garantir a qualidade exigida. Mesmo assim a Herman Miller (a mesma firma que produzia as peças de mobiliário desenhadas por Eames) chegou a produzir uma versão em tamanho reduzido destas casas que utilizava como modelo de exposição da sua produção.

Em 1969, Charles Eames realiza “Tops”, um filme fruto do fascínio que tinha por piões. O casal possuía uma colecção muito extensa com exemplares vindos da China, da Índia, do Japão ou do México, além de ter construído mais de uma centena por conta própria. O filme, além de mostrar como, ao longo do tempo, o pião representou um brinquedo onde se reflectia uma capacidade artesanal e artística de uma determinada cultura, consegue explicar alguns fenómenos físicos que estão, justamente, presentes no seu funcionamento (o filme era frequentemente projectado para os estudantes do MIT, num curso de física). 

Actualmente só alguns dos brinquedos desenhados por Eames se encontram à venda. O House of Cards ainda é produzido e imitado pelo mundo fora (até existe uma versão portuguesa). Os bancos para crianças em contraplacado moldado em forma de elefante são produzido pela Vitra em várias cores e os filmes podem ser comprados já digitalizados em DVD.
Os brinquedos de Eames são mais um exemplo de objectos onde se condensa, numa função tão aparentemente banal como é a do brincar, não só o zeitgeist de uma época, como a estrutura intelectual do seu autor. Temas como a modularidade, a variação cromática e gráfica, o conforto e a ergonomia ou a produção em série eram temas caros ao casal Eames que facilmente se reconhecem nos seus brinquedos. Às vezes a criança é convidada a lidar com a beleza das imagens de objectos domésticos para descobrir e compreender uma cultura material que lhe pertence, como é o caso de House of Cards. Outras é estimulada a explorar a tridimensionalidade do espaço e da sua ocupação, enquanto experimenta combinações cromáticas e apercebe-se da importância das regras da física, como é o caso do The Toy.  Outras ainda, como acontece com a casa de bonecas projectada pela Revell, é-lhe pedido para lidar com paradigmas formais e domésticos absolutamente inovadores em relação a uma cultura instalada, chegando a desafiar a atávica imagem mental e material de casa.

Fontes:
Neuhart John, Marilyn Neuhart & Ray Eames. 1989. Eames design : the work of the office of Charles and Ray Eames - New York : Harry Abrams
http://www.vitra.com
http://www.americanmemorabilia.com
http://www.eamesoffice.com/

Playtecture

Da colaboração entre o estúdio interdisciplinar Dass e a NearInteraction nasceu Playtecture, uma instalação interactiva que esteve presente no evento Habitar Portugal de 4 de Outubro a 1 de Novembro de 2009 em Cascais. Uma espécie de conúbio entre um Tetris gigante e um SymCity sólido, Playtecture é um espaço lúdico interactivo onde um sistema digital reage às composições espaciais feitas pelos utilizadores. Do site: “Como vai ser a cidade do futuro? Playtecture é um jogo ficcional de arquitectura, que explora o tema da cidade do futuro, através da criação de um ambiente urbano dinâmico, lúdico e emocional que muda e interage em tempo real com o público”.



Um dos aspectos mais interessantes deste projecto é o facto de ser possível jogar com desconhecidos que se encontram casualmente na exposição. Desta forma a criança, ou o adulto, compreende e apreende a importância da iteração com os outros na construção dialéctica do espaço urbano. Apreende que as dinâmicas da cidade não dependem, nunca, das decisões individuais mas passam sempre pela negociação com os outros ou mesmo entre os outros.  

Walter Bejamin e os brinquedos

Estou a ler "Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação" de Walter Benjamin. Uma recolha de textos do filósofo alemão da editorial brasileira Summus (São Paulo,1984). No texto "História cultura do brinquedo", escrito em 1928, encontrei este paragrafo particularmente esclarecedor do meu interesse em relação aos brinquedos de arquitectura:

"Mas certamente jamais se chegaria à realidade ou ao conceito do brinquedo se se tentasse explicá-lo unicamente pelo espírito das crianças. Se a criança não é nenhum Robinson Crusoe, assim também as crianças não constituem nenhuma comunidade isolada, mas sim uma parte do povo e da classe de que provém. Da mesma forma seus brinquedos não dão testemunho de uma vida autónoma e especial; são, isso sim, um mudo diálogo simbólico entre ela e o povo".

Exposição no V&A Museum of Childhood em Londres de 9/10/2010 até 9/1/2011

Do site do Museu:
Collecting and making paper models has been a popular pastime since the later part of the eighteenth century, with companies such as Pellerin, Schreiber, Micro Models and Milton Bradley in Europe and America producing some of the most collectible versions.
The exhibition is divided into three areas. The first concentrates on architects, architecture and paper models produced specifically for adults. The second is a display of a model town, exploring how in addition to famous landmarks, schools and shops, stations and windmills were also very popular to collect and make. The third theme looks at paper models produced for children, and how they have been adapted over time to make them easier to play with, using themes of entertainment and education. As part of the exhibition, visitors will be invited to make their own 3D paper buildings as part of a giant collaborative cityscape.

Fonte: http://www.vam.ac.uk

O brinquedo de Malévitch

Em Fevereiro de 2009 estive em Paris para um "fim-de-semana sem filhas" (só quem é pai sabe o que isto significa). Mesmo já tendo lá estado muitos anos antes, resolvi fazer uma visita ao Centre Pompidou e, já agora, ver a sua colecção de arte contemporânea. Na altura já estava interessado nos brinquedos mas ainda não investigava de forma sistemática a ligação destes com a Arquitectura. Quando, no último andar da exposição, encontrei os modelos originais dos ornamentos suprematista de Kasimir Malévitch pensei logo: “isto dava um belíssimo brinquedo”, do género dos produzidos pela firma suíça Naef. Lembrei-me das fantásticas construções desenhadas em 1924 por Alma Siedhoff-Buscher ou ainda das de Ladislav Sutnar, sobre as quais já escrevi um post em Março. Fotografei-os e continuei o meu passeio predizendo que, mais tarde, iria pensar no assunto com mais tempo e seriedade. Desta ideia podia surgir alguma coisa mesmo interessante.

Kasimir Malévitch  (1878-1935) era pintor e fez partedas vanguardas do abstractismo russo do princípio do século XX. Mais especificamente, fundou o suprematismo, um movimento artístico centrado nas forma geométricas básicas, como o quadrado e o círculo, tanto na sua aplicação bi como tridimensional. Malévitch chamou a este movimento suprematismo por considerar a arte abstracta superior a figurativa tanto de um ponto de vista intelectual como social. A representação de objectos ou seres viventes , segundo o pintor, não devia interessar o artista cuja obrigação era a de abandonar qualquer relação com a  realidade e concentrando-se na absoluta pureza geométrica. 
O que está exposto no Pompidou são umas maquetas com as quais Malévitch investigava padrões compositivos e decorativos tridimensionais. A conjugação de vários sólidos básicos é feita através de algumas regras geométricas que garantem uma concordância entre as partes digna de uma composição fractal.

Tenho que admitir que nunca mais pensei no assunto desde que voltei de Paris. Quando viajamos fazemos sempre muitos projectos que, de regresso, se dissolvem mal desfazemos as malas.
Nunca mais pensei no assunto até a semana passada quando, enquanto navegava na rede, encontrei isto: http://www.beamalevich.com/ e pensei que, de facto, nunca estamos sozinhos… nem nos sonhos.
Agora só falta mandar vir uma caixa.

Alfred Carlton Gilbert, o homem que salvou o Natal

Desde que comecei a escrever sobre as ligações que existem entre brinquedos e Arquitectura fui percebendo, mais nitidamente, que as alterações que aconteceram por volta dos anos 1970 são, na grande maioria, irreversíveis. As razões são muitas: a adopção do plástico como material de preferência absoluta (por óbvias razões económicas), a entrada em vigor de uma legislação severa para tutelar a saúde das crianças, a vulgarização da electrónica e, mais recentemente, dos dispositivos digitais tanto no mundo dos adultos como no das crianças. Estas são só algumas das razões que provocaram uma verdadeira revolução na produção dos brinquedos.

Um dos exemplos mais claro desta minha linha de pensamento encontra-se na história de um norte-americano que fez sonhar várias gerações de crianças com brinquedos de rara beleza, inteligência e capacidade pedagógica mas que, no entanto, desapareceram quase por completo. Esta é uma daquelas histórias dos tempos passados em que uma vida se transformou numa lenda. Prestem atenção.

Alfred Carlton Gilbert nasceu em Salem, Oregon, EUA, no dia 13 de Fevereiro de 1884. Começou o seu percurso académico na Pacific University e, em 1902 transferiu-se para a Yale University onde se licenciou em Medicina do Desporto, que nunca chegou a praticar. Desde muito cedo financiou os estudos trabalhando como mágico e chegando a ganhar 100 dólares por noite, quantia que, nos princípios de 1900, era uma pequena fortuna. A sua destreza e paixão pela magia, que tinha desde muito novo, levou-o mais tarde, em 1909, a fundar a Mysto Manufacturing, uma firma que, na altura, produzia truques de magia para as crianças. Desde o liceu, Gilbert destacou-se entre os seus colegas pelos dotes atléticos: era um exímio lutador, um corredor veloz e incansável e um excelente futebolista. Em 1900, ultrapassou o recorde mundial de elevações na barra com 39 subidas num 1 minuto. Conseguiu dois recordes mundiais no salto com a vara: um em 1906, outro em 1908. Em 1906, alcançou os 3,66 metros de altura nos jogos atléticos de Nova Iorque. Em 1908, pouco antes de ultimar a licenciatura, participou nos jogos olímpicos de Londres onde ganhou uma medalha de ouro na mesma modalidade com a medida de 3,71 metros de altura.

Além dos dotes atléticos, Guilbert possuia uma mente verdadeiramente fervilhante. Ao longo da sua vida registou mais de 150 patentes, algumas de produtos eléctricos outras, a maior parte, de brinquedos. De facto, a razão pela qual a maioria das pessoas que já conhecia este inventor deve-se ao facto de Guilbert ter projectado e desenvolvido um dos brinquedos mais populares do século XX: o Erector Set. A lenda conta que, em 1911, Guilbert, numa das viagens entre New Haven, onde vivia, e Nova Iorque, teve a inspiração para projectar e construir um sistema de construções produzido em metal inspirado na arquitectura norte-americana em ferro do início do século XX. Guilbert sempre defendeu a originalidade da sua invenção, todavia, a verdade é que um ano antes desta ter sido lançada no mercado já existia, no mercado inglês o Meccano do inglês Frank Hornby. O Meccano era, de facto, demasiado parecido para que se possa falar em coincidências: inventado e patenteado em 1901, começou a ser produzido em 1908 e seguiu uma história próxima à da Erector, tão próxima que o destino deste último será, como direi mais adiante, de ser adquirida pela Meccano que, por várias razões, conseguiu sobreviver até aos dias de hoje.

O primeiro Erector Set, produzido pela Mysto Manufacturing, foi colocado no mercado em 1913 com 8 caixas diferentes, numeradas de 1 a 8. A caixa número 3 tinha peças suficientes para construir 55 modelos diferentes e custava só 3 dólares. A versão mais completa, a caixa nº 8, trazia 740 peças, uma chave de fendas e um motor eléctrico. Com todas estas peças era possível construir 100 modelos, alguns dos quais motorizados. Esta caixa custava 25 dólares e tinha uma pequena fechadura para que os irmãos mais novos não pudessem desarrumar as centenas de pequenas peças metálicas. Para compreender a qualidade intelectual e cultural destes brinquedos é necessário voltar ao princípio do século XX e verificar que as crianças dessa época tiveram uma oportunidade talvez única na história: brincar com uma versão reduzida dos grandes paradigmas de produção que lhe eram contemporâneos. 
Em 1902 foi ultimado o Flatiron Building em Nova Iorque (o primeiro arranha-céu e, durante muitos anos, o edifício mais alto da cidade). Em 1903 os irmãos Wright, produtores de bicicletas, conseguiram levar a cabo o que ficou registado pela Federação Internacional de Aeronáutica (FAI) como o primeiro voo humano totalmente controlado sobre um meio mecânico, o Flyer 1. Em 1908 Henry Ford começou a produção do modelo Ford T, o primeiro carro a ser produzido em massa. Se conseguirmos imaginar o fervor tecnológico destes anos conseguimos compreender a perfeita sintonia que existia entre o Erector Set e o seu tempo.

Guilber não se limitou a produzir e vender os brinquedos que produzia. Apesar de colocar as instruções no interior de cada caixa, encorajava as crianças a criar os próprios projectos chegando, para isso, a oferecer prémios: as construções mais inovadoras podiam ganhar carros, póneis e grandes quantias de dinheiro. Com centenas de cartas e de projectos que eram enviados todas as semanas e não tendo tempo para fazer uma selecção justa, Guilbert fundou o Guilbert Institute of Erector Engineering que passou a atribuir o título de Engenheiro a todos os que enviavam um novo modelo. Para quem tivesse apresentado mais projectos, além de ganhar a subscrição da revista Erector Tips, podia ficar com o título de “Expert Engineer” ou de “Master Engineer”. Com um marketing tão intenso, a A. C. Guilbert Company tornou-se a maior empresa de produção de brinquedos dos Estados Unidos, tendo continuado a alterar e melhorar os conjuntos da Erector Set durante várias décadas. 


O Erector foi de tal forma divulgado, vendido e utilizado que o seu uso ultrapassou, muitas vezes, a mera brincadeira tendo alimentado, em muitos casos, histórias de sucesso nas mais variadas áreas. Uma delas é a de Donald Bailey, um engenheiro funcionário do British War Office, que tinha o hobby de desenhar e construir modelos de pontes. Em 1940 apresentou aos seus superiores um projecto de uma ponte feita por elementos prefabricados. O modelo era integralmente feito com peças Erector e convenceu os superiores de Bailey que valia a pena formar uma equipa de engenheiros do Britain's Royal Engineers para avançar com o projecto. Estes, após terem verificado a sua exequibilidade, mandaram construir uma versão em escala real no Military Engineering Experimental Establishment (MEXE), perto de Dorset, Inglaterra. A ponte demonstrou uma enorme facilidade de construção, transporte, adaptabilidade e manutenção. A partir de 1944, as pontes Bailey, que ficaram com o nome do inventor original apesar de uma batalha legal para lhe tirar a patente, começaram a ser produzidas tanto em Inglaterra como nos EUA tento sido extremamente úteis em muitas batalhas da segunda Guerra Mundial, chegando a serem citadas pelo presidente dos Estado Unidos Eisenhower como um dos três mais importantes avanços tecnológicos da guerra, a par do radar e dos aviões bombardeiros.

Outra história refere-se ao estudante da Yale Medical School, William Sewell que, em 1949, utilizou as peças Erector para construir o que ficou conhecido na história da medicina como o primeiro coração artificial. Numa experiência, Sewell conseguiu manter um cão com vida durante 63 minutos. Em muitas outras invenções o Erector teve um papel determinante; é o caso das atracções do parque de diversões Disney Adventure na Califórnia ou as lentes de contacto moles inventadas pelo químico checo Otto Wichterle em 1961 utilizando, justamente, um engenho construído com peças Erector. De qualquer forma, para aqueles que queiram saber mais existe o interessantíssimo livro de Bruce Watson intitulado The Man Who Changed How Boys and Toys Were Made.

Guilbert conhecia a importância da brincadeira e, além do sistema Erector, desenvolveu e colocou á venda uma grande variedade de outros produtos. O interessante é que a maioria destes objectos, hoje em dia, seria absolutamente proibida. Além de telescópios, puzzles metálicos ou miniaturas de comboios, eram vendidas caixas para se fazerem experiências químicas (com cianeto e cloro), um kit para soprar vidro (que necessitava de atingir os 1250º para transformar a areia em vidro), e um kit de energia atómica (sim leram bem… a caixa até tinha algumas peças de urânio radioactivo e um contador Geiger). Como mudaram os tempos, e como mudaram os brinquedos...

A utilidade dos brinquedos era considerada de tal ordem importante que, em 1918, Guilbert tomou uma decisão que o fez ficar na história com a alcunha de “o homem que salvou o Natal”. Tal como em todo o mundo, nos Estado Unidos, a Primeira Guerra Mundial era uma prioridade nacional e absorvia todos os esforços da indústria e da economia. Nesse contexto Concelho de Defesa Nacional discutiu a possibilidade de impor uma restrição na venda dos brinquedos. Na altura Guilbert estava a acabar o seu mandato de dois anos como director do Toy Manufacturers of Amercan e conseguiu obter uma audiência com o Concelho de Defesa Nacional em Washington; levou consigo várias caixas de Erector Set, além de muitos outros brinquedos que a A. C. Guilbert tinha em produção. Quando lhe foi permitido entrar proferiu um discurso memorável onde chegou a dizer: “You can’t stop toy production. These are your future architects. These are your future engineers.” Os membros do Concelho retiraram a discussão da ordem do dia, levaram os brinquedos para casa e Guilbert transformou-se num herói. Esta história é contada no filme de 2002 "The man who saved the christmas", protagonizado por Jason Alexander, o mesmo actor que ficou odiado por todos quando teve o papel de George Costanza da serie televisiva Seinfeld.

Nos anos 1920 a A. C. Guilbert atingiu o seu auge e a gama de peças foi aumentada para permitir a construção de modelos mais complexos. A empresa aguentou-se atravessando a Grande Depressão de 1929. Mais tarde, depois da Segunda Guerra Mundial os EUA assistiram ao Baby-Boom e entre 1940 e 1960 o Erector era um dos brinquedos obrigatórios para qualquer criança americana. Para compreender a difusão e a fama que este brinquedo tinha atingido basta fazer uma rápida pesquisa na Internet ou nos sites de leilões e constatar a quantidade de material que, ainda hoje, se encontra em circulação.

A partir de 1960 o plástico começou a ser o material dominante nos brinquedos. A Lego tornou-se o principal protagonista e o Erector já não possuia o halo de modernidade que tinha no princípio do século. Alfred Carlton Gilbert morreu em 1961 com a idade de 77 anos; no ano seguinte a marca será comprada pela sua rival histórica: a Meccano. Nos EUA ainda se vendem caixas Erector (praticamente iguais às que se vendem por cá sob o nome Meccano), mas muito se perdeu. Actualmente, tanto a Meccano como a Erector não passam de brinquedos bastante banais que em pouco lembram o antigo esplendor que estes produtos chegaram a ter no passado.

Moral da história? Sem dúvida os brinquedos mudaram muito; como já tive a oportunidade de escrever, os anos 1970 e a electrónica feriram de morte os jogos de construções. Mas outras coisas mudaram também. Não falo do facto de que já não é muito consensual pôr os nossos filhos a brincar com urânio radioactivo ou a fazer experiências químicas com cianeto, refiro-me a uma forma de brincar altamente educativa em que a manualidade e o conhecimento das bases dos fenómenos está sempre presente. Apertar um parafuso, construir uma torre que fique de pé ou ligar os pólos de uma bateria de forma correcta a um motor, são operações aparentemente básicas mas que reúnem um conhecimento pragmático que as novas gerações já não podem aprender através da brincadeira. É ainda a velha história do ensino profissionalizante que foi sistematicamente desmantelado ao longo de três décadas de educação em que se pensava que a sociedade podia ser feita só de trolhas ou engenheiros. Foi-se perdendo um inteiro bloco intermédio da sociedade e, com este, do conhecimento e de oportunidades de inovação. A manualidade não é necessariamente uma competência inferior às meramente intelectuais, é uma forma de expressão e de realização extremamente elevada e nobre.
Para quem tenha vontade de continuar a pensar no assunto deixo uma frase do filósofo Anaxágoras: “O homem é inteligente porque tem mãos”.

Alguma bibliografia de e sobre Guilbert:
Gilbert, A.C., with Marshall McClintock. The Man Who Lived in Paradise. New York: Rhinehart, 1954.
Watson, Bruce. "The Man Who Saved Christmas." Smithsonian Magazine, May 1999, 120-34.
Watson, Bruce. The Man Who Changed How Boys and Toys Were Made: The Life and Times of A. C. Gilbert. Reprint ed. New York: Penguin Books, 2003.

E alguns sites sobre o Erector Set:
http://www.jitterbuzz.com/erector.html
http://www.girdersandgears.com/
http://www.eliwhitney.org/new/museum/-gilbert-project/-collections/erector-sets

Uma casa como um brinquedo

Quem tem filhos sabe como as crianças mudam as nossas casas.  Desde as paredes pintadas, passando pela constante desarrumação, existem muitos aspectos que só muito raramente são tidos em conta quanto uma casa é desenhada. Poucos pensam como seriam as casas se as crianças entrassem no projecto de Arquitectura desde as primeiras ideias. Se, por outras palavras, o arquitecto tentasse desenhar, além de uma casa, uma espécie de grande brinquedo habitável. 
Neste projecto, do atelier indonésio Aboday, a casa é pensada como espaço de crescimento e de divertimento do filho dos donos. Do site Dezeen: "The house will be mostly occupied by a multi generation family of 3. However, the king of the house is a 5 year old boy who thinks that life is all about play, hence the design of the house.

Assim, o elemento mais característico desta casa torna-se um escorrega em betão que une directamente o quarto com a sala de jantar. Já não há desculpas para chegar atrasado quando o jantar estiver na mesa...



Fontes: http://www.dezeen.com

Mint Toy Museum - Singapore

Nos casos que apresentei até agora a Arquitectura conseguiu, de alguma forma, auxiliar e melhorar (ou simplesmente caracterizar) a produção de brinquedos. Esta vez irei falar de um caso contrário em que os brinquedos serviram de pretexto para que fosse produzida uma boa Arquitectura.

Os ingredientes são do melhor: um engenheiro electrotécnico com muito dinheiro e dono de uma das maiores e mais completas colecções de brinquedos do mundo e um gabinete de arquitectura que se farta de ganhar prémios. O resultado é o primeiro, e até agora único, edifício projectado de raiz e de propósito para ser um museu do brinquedo. O engenheiro chama-se Yang Chang Fa, tem 60 anos e possui uma colecção de mais de 100.000 peças vindas de mais de 40 países diferentes e coleccionadas ao longo de 30 anos. O gabinete de arquitectura é o SCDA, dirigido por Chan Soo Khian e sediado em Singapura, e os seus projectos já ganharam várias dezenas de prémios internacionais.

A colecção de Chang, além de ser tão numerosa quanto valiosa, possui várias sub-colecções extremamente completas: brinquedos Dan Dare (uma personagem de ficção científica inglesa dos anos 50), bonecas chinesas “door of hope” (cujo nome é devido às missões cristãs do princípio do século XX na China), uma das maiores colecções de brinquedos do mundo dedicados a Batman, e outra, igualmente grande e completa, dedicada a Disney. Muitas peças são únicas no planeta e é possível encontrar brinquedos de praticamente todos os tipos, idades e valor.

O edifício é também algo notável: num lote de somente 5.5 metros de largura por 27.5 de comprimento (com estas medidas poderia muito bem ter sido um lote na baixa no Porto…), o Mint Museum reconhece-se pela sua fachada integralmente revestida de paneis de vidro, cortados às curvas, atrás dos quais se encontram cinco andares cheios de brinquedos. 
O interior é cautelosamente iluminado através da refracção da luz que atravessa as lâminas de vidro colocadas ortogonalmente à fachada. Esta solução consegue iluminar o interior sem expor os brinquedos à agressividade da luz solar. No interior, um sistema de rampas e um elevador central distribuem os visitadores pelos vários pisos onde os brinquedos se encontram organizados em vitrinas retro-iluminadas. Algumas zonas possuem pé-direito duplo e, em zonas estratégicas, os pisos comunicam visualmente através de pavimentos em vidro. No rés-do-chão do edifício encontra-se um café com restaurante e loja de vinhos cujas decorações estão em sintonia com o restante espaço de exposição. Na cobertura, um grande terraço com vista para a cidade é o palco de frequentes festas e eventos mundanos.

A qualidade do projecto, tanto de um ponto de vista arquitectónico como turístico e cultural, valeu ao Mint Museum um prémio no Cityscape Dubai Architectural Awards na categoria Turismo,Viagens e Transportes, além do Chicago Athenaeum International Architectural Awards

O site do museu: http://www.emint.com/
Para uma visita virtual ao edifício: http://www.singaporevr.com/vrs/MintMuseum/Architecture.html

Educação precoce

E se, ao invés de brincar com uma mesinha qualquer,  a criança brincasse com uma mesa desenhada por Arne Jacobsen? E se, já agora, ao invés de se sentar numa cadeira IKEA se sentasse numa cadeirinha desenhada por Charles Eames?  Ou se  se deitasse num sofá desenhado por Le Cobusier?  Estaremos a fomentar alguma coisa? Alguma forma de sensibilidade ou de gosto particular? Até que ponto podemos tornar o mundo das crianças numa cópia em ponto pequeno do mundo dos adultos, de forma a reconstruir as relações que estabelecemos com os objectos e, mais especificamente, com as peças de design que apreciamos?
Estou piamente convencido da importância que tem o contacto com o design desde a mais tenra idade. É uma forma de cultura, de educação como qualquer outra. Como o desporto, a música ou a arte em geral. Quanto mais a criança entra em contacto com estas manifestações humanas, melhor será para a sua formação enquanto ser humano e ser social.
Para quem queira experimentar, a Little Nest é uma firma australiana que produz réplicas das cadeiras de design mais famosas  e intemporais, permitindo a todos os pais uma educação em Design e em Arquitectura muito precoce. Tenho que admitir que se não fossem tão caras, já teria mandado vir umas para as minhas filhas.

Philiform, a Philips e os brinquedos

Creio que poucos sabem que a Royal Philips Electronics, mais conhecida como Philips, em 1969 lembrou-se de produzir e pôr à venda um sistema de construções em plástico muito parecido com o Lego, a que chamaram Philiform. O sucesso foi de tal ordem que três anos mais tarde, em 1972, a produção já tinha sido interrompida e nunca mais foi retomada.

Em boa verdade, não foi a única vez que este colosso da electrónica, que começou em 1891 a produzir lâmpadas e se tornou rapidamente um dos maiores fabricantes de iluminação e de electrónica do mundo, decidiu produzir brinquedos. Em 1951 o brinquedo Pioner permitia aos jovens construir um rádio com todos os componentes necessários ao seu funcionamento. Nos anos 60, tinha produzido o sistema de construções EE (Electrical Engineer): kits com os quais se podiam construir vários dispositivos electrónicos. Em 1965, um sistema em metal muito parecido com o Meccano, o denominado ME (Mechanical Engineer) podia ser combinado com os anteriores para produzir pequenos engenhos electrónicos. Em 1970, foi a vez da química com o sistema CE,  uma série de laboratórios em miniatura: existia o de química inorgânica, o de orgânica e o dedicado aos polímeros. Em 1972 o sistema FE abordava as leis da física. Finalmente, em 1971, em sintonia com as tendências da altura, surgiu o CL com o qual as crianças podiam compreender o funcionamento de um sistema digital. Sobre estes brinquedos existem muitos sites de nostálgicos que se dedicam à divulgação de material e de informações.

Tal como acontecia com todas as outras séries de brinquedos produzidos pela Philips, as caixas da Philiform eram particularmente bonitas; um design gráfico digno dos melhores produtos da época. Dentro, as peças eram muito parecidas com as Lego (provavelmente demasiado parecidas…) e as instruções indicavam como construir vários objectos, mantendo sempre  uma certa predilecção por veículos e máquinas. Todavia, o sistema não era compatível com o Lego, não podendo, desta forma, servir como integração ou expansão deste.

Philiform era produzido pela famosa Mettoy Playcraft, a mesma firma que produzia, desde 1934, alguns dos brinquedos de maior sucesso em Inglaterra (os carrinhos Corgi, por exemplo) e que aguentou duas guerras, produzindo armas e munições (o mesmo que fizeram muitas fábricas europeias entre as quais, por exemplo, a Line Bros ou a Britans). Todavia, nos princípios dos anos 70, o mercado dos brinquedos norte-americano estava em forte expansão e isto teve enormes repercussões no europeu. A Mettoy Playcraft entrou numa crise da qual nunca mais conseguiu sair, até 1989, ano em que foi vendida ao colosso Mattel ficando só um vestígio seu na Corgi Classics Limited. Além disso, nos anos 70, aconteceu uma profunda mudança de paradigmas, com a introdução maciça dos brinquedos electrónicos e dos primeiros videojogos. Desta década são as consolas Atari, os jogos Pong e Space Invaders. O sistema Philiform, apesar de ser bem construído e razoavelmente bem pensado no seu conjunto era, quando comparado com o Lego, bastante limitado e, sobretudo, muito feio. Os modelos que podiam ser construídos eram visualmente frágeis e a comparação com o sistema dinamarquês rival era inevitável resultando sempre num fracasso para o Philiform (ver post anterior).

Referências
http://www.philiform.com/

And the winner is...

Um recente inquérito realizado pelo site Firebox (um site de vendas online de brinquedos) revelou que o Lego é o brinquedo mais popular do mundo. As mais de três mil respostas foram divididas em duas classificatórias: a dos homens e a das mulheres. A primeira foi encabeçada pelo Lego seguido pelo Game Boy, os Transformers e o Action Man. Na segunda, a das mulheres, o primeiro lugar foi claramente ocupado pela Barbie seguida, e aqui é o mais curioso, pela Lego. Seguem My Little Pony, a Game Boy e a Sindy (o que é devido ao facto do inquérito ter sido feito por um site inglês).
O brinquedo dinamarquês, que é produzido desde o princípio da década de 30 do século XX, ganhou com uma margem substancial: 78% das mulheres e 63% dos homens o preferiram entre muitos.
Este resultado ficou confirmado num artigo publicado no UK Telegraph que publica outro inquérito feito pelo site inglês de vendas online Argos em que o Lego foi preferido pelo 56% dos inquiridos.
Já brinquei muito com os Lego e os considero um dos brinquedos mais saudáveis e criativos que alguma vez foram feitos. Um dia destes vou ter que escrever um artigo sobre a fascinante história de Ole Kirk Christiansen (1891-1958), um humilde carpinteiro dinamarquês que construía modelos em escala dos móveis para os vender e um dia percebeu que o que fazia melhor não eram os móveis mas eram mesmo os modelos…

O brinquedo de arquitectura segundo Douglas Coupland

Para os jovens da minha geração (1970) que tenham, ou tenham tido, algum gosto pela leitura ,o nome de Douglas Coupland não é certamente uma novidade. Geração X, o seu primeiro e mais famoso livro, de 1991, tornou-se rapidamente numa novela de culto, lançando o seu autor para o estrelado literário, segundo uma trajectória verdadeiramente meteorítica. Considerada uma obra tipicamente pós-moderna, foi a primeira de uma longa série de livros. Desde então, Coupland já escreveu mais dez novelas e vários ensaios com traduções em 36 línguas. A sua última obra, uma biografia sobre o filósofo visionário Marshall McLuhan, foi editada em Março de 2010.

O que me leva a falar de Coupland, hoje e aqui, é ter descoberto que este autor canadiano, com formação em artes em Vancuver, Milão e Sapporo, foi responsável em 2005 por uma instalação no Canadian Centre for Architecture (CCA) com o título “Super City”.
Para compreender melhor, falta dizer duas coisas: a primeira é que a instalação de Coupland no CCA segue uma série de exposições (6 desde 1991) ao longo das quais o Centro foi mostrando a sua colecção de brinquedos de Arquitectura. Uma colecção, anteriormente propriedade de Norman Brosterman (ver artigo de Junho), considerada a maior e mais importante colecção deste género de propriedade de uma instituição. A segunda coisa é que Super City não é só o título da instalação mas é, sobretudo, o nome de um brinquedo considerado, justamente pelo próprio Douglas, nada mais que "the best building kit ever made—possibly even better than Lego."

Na altura, num artigo da archiseek.com: "Illustrating his theory that building toys have the power to feed themselves back into the real world of objects and ideas, Coupland’s Super City installation invokes an imaginary urbanscape by deftly combining scale-models of high-rise buildings, monuments, and infrastructural elements with an assortment of parts from the various building kits in his personal collection. Toronto 's monumental CN Tower (1976), segments of the U.S. interstate highway system, and typical American water towers, and most infamously, the World Trade Center towers by Yamasaki (1966–77) destroyed on 11 September 2001, are all integrated with parts from the Super City, Tinkertoy, Jumbo Lego, Meccano, Tog'L, and Matador kits. Occupying a space 12' x 12' x 12', the assemblage of shapes and objects is uniformly painted white, echoing Coupland's recollection that as a child, he perceived "everything in the Lego universe as perfect and crisp and anti-death.... Lego was the future. White. Clean. Plastic." 

Uma história bizarra a deste brinquedo que foi lançado pela Ideal Toys, um dos maiores fabricantes de brinquedos norte-americanos, em 1967 e retirado do mercado no ano seguinte, Diferentemente do Lego, por exemplo, Super City é um brinquedo destinado exclusivamente à construção de edifícios. As peças, feitas de plástico, juntavam-se segundo uma lógica construtiva extremamente parecida com a adoptada nos edifícios prefabricados que, mesmo nos anos 70, representavam um paradigma de progresso e industrialização da Arquitectura e que estavam a ser projectados e construídos pelo mundo fora. Pilares e vigas uniam-se em ângulo recto criando gaiolas estruturais que podiam ser tapadas com elementos opacos, janelas ou outros tipos de painéis com diferentes acabamentos. Resultavam sempre em edifícios caracterizados por uma linguagem extremamente moderna e absolutamente coerente com a época.

As tipologias propostas na caixa de montagem eram heliportos, centros de investigação, estações e arranha-céus. "Anything made from Super City looked like a Craig Elwood or a Neutra or a Wallace K. Harrison", comentou Coupland, segundo o qual o fracasso deveu-se à excessiva sofisticação do brinquedo para as crianças que o recebiam.

Para quem queira saber mais, sobre seja o que for, há sempre o Google. Aconselho só uma rápida visita à casa de Douglas Coupland, onde se podem ver algumas construções feitas com Super City.

A colecção de Jackie Britton

Existem muitas colecções de brinquedos de arquitectura mas poucas delas são publicamente conhecidas e tão pouco visíveis. Todavia, quando já se possui algum conhecimento na matéria, torna-se mais fácil encontrar pistas que podem levar, em alguns casos, a descobertas muito interessantes. É justamente isto que me aconteceu outro dia quando encontrei a colecção de brinquedos de Jackie Britton.
Dela sei pouca coisa: é inglesa e sempre adorou edifícios e Arquitectura; em 1993, visitou uma exposição em Londres organizada pelo RIBA (Royal Institute of British Architects) dedicada aos brinquedos de arquitectura e, desde então, é uma coleccionadora muito activa e disciplinada. Só falta dizer que Jackie trabalha num museu onde aprendeu o gosto para o coleccionismo e as rotinas de conservação e de catalogação que lhe estão associadas.

O nome do seu blog não deixa dúvidas: http://architoys.net/blog.
Não deixem de visitar o seu perfil no Flickr em: http://www.flickr.com/photos/25270435@N03/ e o seu site, ainda em construção, em: http://www.architoys.net.

Inventig Kindergarten de Norman Brosterman

Já tive oportunidade de falar na invenção do Jardim-de-infância (kindergarten) num post de Março 2010 sobre Friedrich Fröbel e sobre os seus gifts; este livro trata deste assunto com maior amplitude e aprofundamento.

Sobre o autor: arquitecto, artista, mercante de arte, escritor, escultor, curador e coleccionador, Norman Brosterman  (1952-) é uma personagem particularmente interessante no âmbito dos brinquedos e da arquitectura principalmente por duas razões. A primeira é que era um dos maiores coleccionadores de brinquedos de arquitectura. Actualmente a sua colecção encontra-se no Centro de Arquitectura do Canadá em Montreal. Esta colecção foi exposta, entre Dezembro de 1991 e Março de 1992, no CCA na exposição “Potential Architecture: Construction Toys from the CCA Collection”. Além disso Brosterman encontra-se ligado a outra grande colecção acerca do qual irei falar em futuro: a do nova-iorquino Paul Neuman.
A segunda razão que torna Brosterman interessante é, justamente, o facto de ter escrito este livro.

Sobre o livro: com as notáveis fotografias de Kiyoshi Togashi, além de reunir uma descrição pormenorizada de cada um dos gifts de Fröbel, dos quais Brosterman possui uma invejável colecção, relaciona o fenómeno do kindergarten com as origens do ensino artístico do século XX. Citando exemplos de artistas conhecidos como George Braque, Piet Mondrian, Paul Klee, Wassily Kandinsky, Frank Lloyd Wright ou Le Corbusier, o autor procura demonstrar que a ideia do kindergarten reside na base da concepção moderna do ensino de arte baseado no poder na abstracção geométrica.

Brosterman, Norman. 1997. Inventig Kindergarten. New York: Harry N. Abrams, Inc., Publishers

O sonho de qualquer criança: uma casa de Lego

O seu nome é James May e em Portugal é conhecido por ser um dos condutores do famoso programa televisivo Top Gear, juntamente com Jeremy Clarkson e Richard Hammond. Nesta série a sua alcunha é Captain Slow por ser, entre os três, o que conduz mais devagar (com excepção de quando, em 2007, conduziu um Bugatti Veyron até aos 407 km/h).
Em Inglaterra a sua carreira televisiva vai muito além de Top Gear. Desde 1999 é apresentador principal em vários programas sobre vinhos (Oz and James's Big Wine Adventure), sobre invenções do século XX (James May's 20th Century), sobre grandes ideias (James May's Big Ideas), além de outras coisa entre as quais, cá estamos nós, os brinquedos.
May é, de facto, um grande apaixonado por brinquedos e o seu documentário James May's Top Toys, de 2005, foi o primeiro de vários programas que este jornalista de 47 anos dedicou a esta paixão.
Em 2009, começou a produção e a sucessiva transmissão do programa James May's Toy Stories. Em cada um dos 6 episódios era escolhido um brinquedo e era lançado um desafio nunca antes visto. Assim conseguiu-se construir um avião em kit de montar da Airfix em escala 1:1; um inteiro jardim de flores feitas com plasticina; uma grua de 23 metros com construções Meccano; uma pista de carrinhos Scalextric com 4,5 km de comprimento; uma linha de comboio Hornby em miniatura com 16 km e, isto já nos interessa mais, uma casa habitável inteiramente construída com as peças da Lego.

Não é certamente a primeira vez que alguém constrói um objecto tão grande unicamente com Lego, pense-se só nas várias Legoland que existem pelo mundo fora (Dinamarca, Inglaterra, EUA e Alemanha) onde existem inteiras cidades em miniatura feitas com Lego. Mas é certamente a primeira vez que alguém se lembra de construir uma casa onde possa habitar, só com Lego. Posso dizer isto melhor: é a primeira vez que alguém constrói uma casa onde possa habitar, porque lembrar-se de construí-la... creio que esta ideia já tenha passado pela cabeça de todos nos...

Mas James May não é um entre “todos nós” e, em 2009, a produção do seu programa comprou 3,3 milhões de peças Lego. Claramente era um desafio demasiado grande para uma pessoa só, por isso foi lançado um apelo no programa, e foi reunida uma equipa de 1200 voluntários para construir uma casa com dois andares, uma casa de banho completa e a funcionar, uma cozinha totalmente equipada, uma sala com cadeiras “design”, um quarto com cama e um gato. Tudo construído religiosamente e exclusivamente com peças Lego. Na realidade a casa tinha uma estrutura portante em madeira que era revestida em lego. Mas isto agora não interessa de nada porque a história não acaba aqui.

Ao chegar a Surrey, uma localidade a sudoeste de Londres, May e a sua equipa estavam à espera de encontrar algumas dúzias de pessoas que tivessem respondido ao apelo. Cerca de 1700 pessoas que se tinham juntado numa fila quilométrica, estando alguns à espera desde as 4h30 da manhã. 1200 foram aceites, 1500 tiveram que voltar para casa.
As pessoas foram divididas em equipas para fazer tijolos de 576 peças (12x8x6) e as obras continuaram ao longo de mais de um mês. No dia 17 de Setembro a casa ficou concluída.

O desafio ainda não tinha acabado porque James May tinha prometido que iria passar uma noite na casa, e assim fez. Numa noite de chuva, coisa rara num Setembro londrino, May experimentou a absoluta ausência de conforto da casa em Lego: qualquer superfície é picotada, andar descalço num chão Lego é uma verdadeira tortura chinesa; tudo é extremamente frágil, a belíssima réplica do cadeirão de Jacobsen em Lego esboroa-se literalmente mal May se senta nela; a cama não passa de uma caixa de plástico rígido. Um dos principais problemas surge, justamente, por causa da chuva: a casa mete água por todos os cantos, as junções não são estanques e, assim, não existe possibilidade de manter a água fora da casa ou, como é o caso do lavatório ou do chuveiro, de manter alguma água dentro dela. Um verdadeiro desastre.



Uma vez acabadas as filmagens colocou-se o problema do que fazer com a casa. May ofereceu-a à Legoland mas os dirigentes do parque temático recusaram a oferta uma vez que seria extremamente caro mudar a casa de sitio. Qualquer reconstrução para fins lucrativos estava fora de questão, uma vez que a Lego possui os direitos de autor para este tipo de instalações. O debate foi de tal ordem que se reuniu um grupo com mais de 3.500 membros no Facebook contra a demolição da casa.
A falta de licença, a precariedade da estrutura que tinha sido pensada efémera e a necessidade de libertar o terreno sobre o qual tinha sido construída foram razões suficientes para, à falta de outra solução, avançar com a demolição da casa. As peças Lego foram doadas para instituições de caridade e dela só ficou o registo televisivo.

Fonte: http://www.jamesmaystoystories.com/