Era uma vez, mais precisamente em 1902, o Grão-Duque austríaco Ernesto Luís I de Hesse, irmão mais velho de Alexandra Feodorovna, última czarina de Rússia e, ao que consta, mulher de invulgar beleza. Ernie, assim o chamavam os amigos, era um homem muito poderoso, teve uma intensa e activa carreira militar e estabeleceu ligações e vários títulos através dos seus dois casamentos: o primeiro com a coroa inglesa e o segundo com a russa.
Apesar de ter sido um dos reinantes europeus com mais títulos, o Grão-Duque viveu uma vida reservada e dedicada à família, longe dos grandes eventos que, na altura, atravessavam os países da Europa. Apesar de querer levar uma vida calma, quase burguesa, Ernie teve uma existência assombrada pelas inúmeras mortes que aconteceram à sua volta desde os dois anos de idade quando assistiu, em 1873, à morte violenta de seu irmão Ernesto, então com 5 anos, que caiu de uma janela sofrendo uma lesão cerebral insarável por causa da hemofilia (uma doença genética frequente nas casas das monarquias europeias). Desde então a morte visitou Ernesto com uma frequência terrível, e este ficou com o pavor de vir um dia a morrer na solidão. A vida deste homem foi de tal ordem trágica que há quem fale em “
maldição de Hesse”.
Talvez tenha sido por causa desta profunda tristeza que o acompanhou e da qual não se conseguiu livrar até ao fim da vida que Ernie manteve sempre uma conduta política prudente em que o único âmbito em que se tornou realmente activo foi o das artes. O próprio chegou a escrever poemas, peças de teatro e composições musicais e, em 1901, fundou a Colónia de Artistas de Darmstadt, onde convidou várias celebridades vindas de toda a Europa par dar aulas ou, mais simplesmente, para participar num projecto cultural que ainda existe. Pois apesar de já não ter a importância política de outrora, Darmstadt conserva ainda hoje a sua fama de cidade universitária e de cultura graças a esta herança. Logo em 1901, a Colónia inaugurou a primeira exibição com o título “Ein Dokument deutscher Kunst” (um documento da arte alemã). Apesar de ter sido desastroso de um ponto de vista económico, pois foram gastas enormes quantias de dinheiro para construir edifícios e para patrocinar os artistas que participaram sem ter tido nenhum tipo de retorno, este evento deixou para a posteridade uma serie de belíssimos exemplos de arquitectura que ainda hoje podem ser visitados em Darmstadt.
Uma das personalidades que o Grão-Duque convidou foi o arquitecto austríaco Joseph Maria Olbrich (1867 - 1908), uma das figuras mais importantes da Secessão Vienense juntamente com Gustav Klimt, Josef Hoffmann e Koloman Moser. Entre outras obras, Olbrich projectou, entre 1897 e 1898, um dos edifícios mais enigmáticos do princípio do século XX: o edifício de exposições da Secessão em Viena. Este movimento artístico, que surgiu em finais do século XIX e se manteve nas primeiras décadas do século XX, representou mais uma entre as diferentes formas europeias de modernidade. Marcada por uma vontade de autonomia artística juntamente com uma necessidade de ruptura com o passado, a Secessão tinha, num primeiro tempo, características herdadas da Arte Nova chegando, mais tarde, a ganhar uma aproximação com as linguagens e as formas do Movimento Moderno.
Olbrich projectou várias das casas que foram construídas para a exposição de 1901 e que serviram como galerias de arte para expor as obras os artistas plásticos. O Grão-Duque Ernesto tinha Olbrich de tal forma em consideração que quando casou pela segunda vez com a Princesa Leonor de Solms-Hohensolms-Lich, pediu-lhe para projectar a que ficou conhecida como a “torre do casamento” em Darmstadt. Uma torre em tijolo cujo telhado lembra os cincos dedos de uma mão estendida para o céu.
A torre foi o segundo encargo directo que Ernie deu a Olbrich. O primeiro foi em 1902, quando o Grão-Duque ainda estava casado com a Grá-duquesa Vitória Melita de Saxe-Coburgo-Gota com a qual tinha tido uma filha, Isabel, em 1895, e um filho que nasceu morto, em 1901. Ernie tinha uma verdadeira devoção pela sua filha Isabel; ainda antes dela começar a falar, o Grão-Duque estava convencido que era a única pessoa a compreender o que ela dizia. A história reza que, quando a criança tinha 6 meses, o pai perguntou-lhe qual deveriam ser as cores do seu novo quarto. Quando lhe mostrou um tecido lilás Isabel soltou um gritinho que foi interpretado pelo pai como uma escolha e foi logo ordenado que o quarto da criança fosse decorado em tons de lilás.
Em 1901 os pais da então pequena Isabel divorciam-se e a mãe mudou-se para Coburgo onde foi morar com o novo marido, o Grão-Duque Cyril Vladimirovich da Rússia, com o qual já mantinha uma relação amorosa antes do divórcio. A Grã-duquesa Vitória não tinha muita paciência para a criança e esta ficava muitas vezes entregue às amas chegando a deixar de querer viajar para Coburgo. Nas suas memórias o pai lembra as dificuldades que tinha para convencer a filha a ir ter com a mãe contando que antes de a entregar encontrava-a a chorar escondida atrás do sofá.
Em Dezembro de 1901 o tribunal de Hesse concedeu finalmente o divórcio ao casal permitindo que, quatro anos mais tarde, Ernie voltasse a casar com a Princesa Leonor de Solms-Hohensolms-Lich com a qual teve dois filhos. Mesmo isto não o livrou das acusações da anterior mulher, a Grã-duquesa Vitória, de ter sido um marido ausente por causa dos frequentes casos homossexuais que tinham arruinado a relação.
No dia 11 de Março de 1902 Isabel fez 7 anos e o pai pediu a Olbrich que desenhasse uma casa no jardim que fosse só dela. O local escolhido era o jardim do castelo de Wolfsgarten em Langen, uma pequena cidade entre Frankfurt e Darmstadt. O arquitecto, que na altura tinha 36 anos e não tinha filhos, projectou uma casinha à escala da criança com o mesmo empenho que teria tido em qualquer outro projecto de grande envergadura.
A casa, em perfeito estilo arte-nova, tinha uma sala e dois quartos. Continha tudo o que podia ser necessário: uma cozinha com fogão a lenha, móveis em escala reduzida, cortinados, louça e um pequeno jardim vedado à sua volta com 75 pombos de bronze a enfeitá-lo. O pé-direito interior era de 1,90 metros e no frontão aparece gravada a ouro a letra E, inicial do nome da princesa por debaixo de uma coroa, também dourada (Isabel, em alemão, é Elizabeth). No telhado uma coroa simbolizava a realeza e no frontão por cima da entrada podia-se ler “Era uma vez... assim começa o conto de fadas (...) E esta casinha é só minha, construída só para mim em 1902”
Olbrich desenhou também a mobília, a decoração e os papeis de parede onde também se encontra a letra E no interior de um padrão geométrico tipicamente arte-nova. Em 1996 a casinha foi remodelada completamente, sendo hoje a única obra de Olbrich que se encontra num estado rigorosamente idêntico àquele que tinha quando foi construída.
Aos adultos era proibido entrar e Isabel passava os seus dias rodeada pelos seus animais de estimação com as governantas e as amas que esperavam agachadas, cá fora, que a princesa acabasse as suas brincadeiras.
Apesar de ter recebido uma prenda digna de uma princesa e que ainda hoje existe, a pequena Isabel não escapou à maldição de Hesse. No dia 6 de Novembro de 1903, com 8 anos de idade e a plena consciência do que estava a acontecer, morreu de febre tifóide. O corpo foi colocado num caixão de prata e o pai exigiu um funeral onde tudo, desde os cavalos até às flores, tinha que ser branco.
O ano seguinte à morte da pequena Isabel a sua governanta, a Baronesa Georgina Freiin von Rotsmann escreveu um livro para crianças em memória da princesa. Escreveu a história e pediu a Olbrich para desenhar as ilustrações. O título do livro era: "Era uma vez....". No Leopold Museum, em Viena, esteve patente, até finais de Setembro de 2010, uma exposição com o título "Joseph Maria Olbrich - Art Nouveau and Secession" onde estiveram expostas as litografias que serviram para imprimir as ilustrações do livro e onde é fácil reconhecer a casinha que o arquitecto desenhou para a princesa Isabel.
Olbrich durou só mais 4 anos após os quais morreu de leucemia.
A princesa Vitória, mãe da pequena Isabel, morreu em 1936 no seguimento de um ataque cardíaco provocado pela notícia de que o marido, o Grão-duque Cyril Vladimirovich da Rússia, passava a vida a viajar para Paris onde tinha várias amantes.
A princesa Leonor, segunda mulher do Grão-Duque Ernesto, morreu no ano seguinte num desastre de avião quando ia participar no casamento do filho mais novo, Luís de Hesse. No mesmo acidente morreram o seu filho mais velho, Jorge, a sua nora Cecília da Grécia e Dinamarca, então grávida de 8 meses, e os seus dois netos, Luís e Alexandre. O avião no qual viajavam embateu contra uma chaminé de uma fábrica perto de Oostende na Bélgica e quem acorreu logo após o acidente contou que havia nos destroços os restos mortais de um feto indicando que os trabalhos de parto tinham começado mesmo antes do acidente.
Em 1918, em pela Primeira Guerra Mundial, foi proposto ao Grão-Duque Ernesto abdicar do trono, mas ele recusou. Mais tarde, ao longo do mesmo ano, Darmstadt e Hesse ficaram incluídas na República de Weimar e o título de Grão-Duque foi abolido. Assim Ernie sobreviveu a todos os protagonistas desta história e morreu sozinho, em 1937, com a idade de 69 anos.
Algumas fontes:
http://www.architekt-giel.de/
http://mainzauber.de/blog10/
http://romanov.blogs.sapo.pt/