Architectural Design - Doll's Houses

Outro dia uma colega, conhecendo o meu interesse por brinquedos, emprestou-me um número da revista inglesa Architectural Design intitulado Doll’s Houses. Olhando melhor reparei que não era bem um número da revista, que sai mensalmente desde 1930, mas sim um Profile. Desde 1977, com uma periodicidade mensal ou bimensal, a Architectural Design publica um suplemento sobre um tema específico do âmbito da arquitectura. Em 1983, por exemplo, foram publicados 6 Profiles sob os temas: Architecture in Progress, Russian Avant-Garde, Abstract Representation, Elements of Architecture, Berlin, an Architectural History e, claro, Dolls' Houses. Doll’s Houses? Sinceramente não parece um tema muito pertinente para uma revista com mais de meio século de presença na crónica, história e crítica da arquitectura.
Volto a abrir a revista e leio, logo nas primeiras linhas do editorial, que o número contém os resultados de uma competição de casas de bonecas. A ideia do concurso surgiu ao editor de AD, Dr. Andreas Papadakis, quando quis comprar uma casa para a filha Alexandra mas não encontrou nada que gostasse e então resolveu ”transformar o que parecia uma missão impossível num conto de fadas”. Que bonito... No meio da página a fotografia de uma criança com a legenda Alexandra Papadakis. Mas quem é o Dr. Andreas Papadakis? Além de director da revista, claro.

Aqui começa a história de Andreas Constantine Papadakis: filho de um vendedor de fármacos, Andreas nasce em Nicósia, Chipre, no dia 17 de Junho de 1938. Em 1956 muda-se para Londres onde se forma em ciências no Imperial College e se doutora, em física, na Brunel University. Apesar do âmbito dos seus estudos Andreas passa cada vez mais tempo em contacto com as artes e com os artistas. Aulas, conferências e exposições na Tate são as ocupações que mais lhe interessam.

Em 1964 compra uma casa em Holland Street, Kensington. Um erro de negociação estará na origem do que irá determinar o seu futuro profissional: no rés-do-chão da casa havia uma lavandaria, mas quando Papadakis comprou a casa achou que podia, sem grandes problemas, ocupar a antiga loja com a nova habitação. Quando percebeu que tinha que manter comércio no rés-do-chão resolveu abrir uma livraria científica, a Academy Bookshop.

O destino quis que, sempre em 1964 abrisse, mesmo ao lado da casa de Papadakis em Holland Street, a BIBA, uma famosa loja londrina de roupa que se tornou famosa em todo o mundo ditando as tendências da moda da classe média. Alguns clientes da BIBA, fascinados pelas decorações Arte Nova, ao passarem pela livraria de Papadakis pediam livros ilustrados sobre Aubrey Beardsley, um famoso ilustrador inglês do século XIX. Dado que não havia nada no mercado sobre este autor, em 1967 Papadakis decidiu lançar-se no campo editorial. Aproveitando a época natalícia propôs aos clientes uma edição de grande formato de ilustrações de Beardsley. Conseguiu imprimir o livro, sem nenhum texto, com poucos recursos numa tipografia que tinha um excesso de stock de papel e que imprimiu os volumes com um preço extremamente competitivo. A encadernação era de tal maneira fraca que as páginas se soltavam e os clientes queixavam-se. Foi então que Papadakis, num verdadeiro golpe de génio, inseriu em cada exemplar uma pequena nota onde dizia que as ilustrações podiam ser retiradas do volume para serem emolduradas. Mais tarde, quando o governo colocou um imposto sobre as ilustrações e os posters, Papadakis inseriu no livro uma pequena introdução para fugir ao imposto e o recolocou à venda. O sucesso foi de tal ordem que, em 1990, quando a editora foi vendida, o livro de Aubrey Beardsley ainda se encontrava à venda.

Com um verdadeiro farejo para os negócios Papadakis, em 1971, comprou a editora de arte Tiranti (fundada em 1895) na qual chegou a publicar mais de 1.000 título de arquitectura, arte e artes decorativas. Entre estes havia livros como Anthropods de Jim Burns ou Design Participation de Nigel Cross, ambos de 1972, ou William Morris de Fiona Clark, The True Principles of Pointed or Christian Architecture de Welby Pugin, The Aesthetic Movement de Charles Spencer (todos de 1973). Em 1975 publica Piranesi de Jonathan Scott, em 1976 Boullée de Helen Rosenau e Le Corbusier de Marise Besset. Em 1977 edita o Charles Rennie Mackintosh e Frank Lloyd Wright Drawings de Roger Bilcliffe.

Em meados dos anos ’70 Papadakis compra uma grande casa em Leinster Gardens, Bayswater tornando-a um verdadeiro salão de arquitectura com uma galeria onde organizava frequentemente recepções e palestras. Nestas instalações começou a alimentar o debate arquitectónico através de seminários e conferências na Architectural Association, no Polytechnic of Central London, na sua Academy Forums, na Tate e na Royal Academy com arquitectos como Norman Foster, Jean Nouvel ou Frank Gehry, entre outros.

Em 1976 assume a direcção da revista Architectural Design (AD), em funcionamento desde 1930 mas em péssimas condições financeiras. Além da revista compra, como mais tarde chegou a declarar, 200 novos inimigos, na maior parte modernistas, pelos quais era visto como um usurpador e um arrivista sem nenhuma verdadeira cultura ou preparação arquitectónica. As controvérsias e as inimizades cresceram quando, em 1977, Papadakis resolveu publicar a obra The Language of Post-Modern Architecture de Charles Jencks (que contou, até 1990, com sete edições). Com esta publicação Papadakis declarava o seu posicionamento ideológico e arquitectónico; o mesmo que caracterizou os sucessivos anos de direcção da revista AD por onde passariam todos os “ismos” dos anos ’80.

As monografias da Academy incluíram alguns dos arquitectos que hoje se encontram entre as estrelas da arquitectura mundial mas que na altura ainda não eram famosos. Zaha Hadid recebeu o seu primeiro prémio em arquitectura, uma medalha de ouro, justamente atribuído pela revista Architectural Design. Norman Foster, Richard Rogest e Daniel Libeskind eram alguns arquitectos cuja obra se encontrava publicada, com igual zelo, ao lado de Leon Krier e Demetri Porphyrios, Quinlan Terry e John Simpson ou ainda de Arata Isozaki. Uma das principais razões do sucesso das edições de Papadakis era que, através da indiscriminada aceitação de autores, tinha acumulado uma grandíssima quantidade de imagens fotográficas e gráficas que podia utilizar, sem grandes custos, na publicação de livros e de revistas.

Nos anos ’80 o seu poder económico e mediático era de tal ordem que, em 1982, quando o RIBA teve que cancelar a grande exposição da British Architecture Today por falta de fundos, Papadakis ofereceu o seu patrocínio entrando directamente em contacto com os arquitectos e cobrindo todas as despesa do evento.

Em 1990 Papadakis resolveu vender a Academy Edition à VCH, um grande grupo editorial alemão, por um valor que rondou entre 3 e 4 milhões de Libras; um valor que surpreendeu muitos dos autores mal pagos que contribuíram, ao longo de muitos anos, para o seu sucesso editorial. A razão que invocou para a venda foi a de não reconhecer os seus funcionários quando se cruzava com eles nas instalações da AD; a editora era demasiado grande. A nova gerência implementou um plano de gestão mais severo acabando, desde logo, com as conferências, os seminários e os encontros que considerava extravagâncias desnecessárias. Papadakis deixou de ser envolvido na escolha dos títulos a publicar e dois anos mais tarde, ao chegar ao seu gabinete, percebeu que os seus serviços já não eram necessários. Com um contrato assinado com a VCH que o inibia de publicar durante cinco anos, Papadakis retirou-se na sua quinta em Winkfield, Berkshire.

Em 1997 voltou ao mundo editorial: juntou-se à filha Alexandra para criar uma editora, a Papadakis Publisher, que editou livros sobre pólen, sementes e, mais tarde, fruta. Edições que lhe valeram a eleição a membro honorário da Linnean Society, a sociedade de biologia mais antiga do mundo. Os livros sobre pólen e sementes foram homenageados com uma medalha de ouro pela Independent Publishers’ Association nos EUA em 2006 na categoria dos livros de destaque do ano. Outros livros da Papadakis Publisher, receberam vários prémios e nomeações por várias instituições como a Royal Society ou o jornal Times.

Em Setembro de 2007 comprou o lendário Monkey Island Hotel, junto do Tamisa, com o objectivo de gozar uma reforma de sonho com os seus amigos num hotel de luxo.

Andreas Papadakis, o maior editor britânico de arquitectura contemporânea do século XX morreu de cancro no dia 10 de Junho de 2008 com 69 anos de idade.

Nunca chegou a ser reconhecido como membro do RIBA.


Agora que conhecemos o homem que esteve por detrás da Architectural Design, voltamos ao concurso cujos resultados foram publicados no número Doll’s Houses de 1983.

O primeiro anúncio para o concurso, lançado em 1981, foi aberto a todos e foi pedida a entrega de desenhos para explicar a solução e o máximo de duas páginas de memória descritiva. Concorreram 260 projectos vindos de 27 países, sendo que 58 vinham da Grã-Bretanha, 40 dos EUA, 24 de França, 23 de Holanda, 16 do Japão, 13 de Itália e 13 da URRS, 11 de Austrália, 10 de Canadá e 10 de Espanha.

A primeira selecção de trabalhos aconteceu na Primavera de 1982 e foi feita pelo arquitecto James Gowan (sócio de James Stirling), o crítico e professor Robert Maxwell e o editor da AD, Dr. Andreas Papadakis. Ficaram seleccionados, para passar à fase seguinte, 50 trabalhos. A estes se juntaram alguns arquitectos famosos que foram convidados na altura, provavelmente para tornar o concurso mais interessante: Takefumi Aida e Tadao Ando do Japão, Theo Crosby, Terry Farrell, Michael Gold, Ron Herron, Colin St. John Wilson e o artista Eduardo Paolozzi da Grã-Bretanha, Franco Purini e Bruno Minari da Itália, e Charles Moore e os Taft Atchitects dos EUA.
Para esta segunda entrega era pedido aos participantes a execução de uma casa de bonecas que seria exposta numa exposição conjunta no Royal Institute of British Architects, em Dezembro/Janeiro de 1982/83. Elaine Paige, a bailarina inglesa conhecida por ter protagonizado os musical “Cats” e “Evita” foi a madrinha da exposição.

Na avaliação final juntaram-se ao júri original os historiadores Vincent Scully (EUA) e Bruno Zevi (Itália). No evento, dos 70 finalistas, 62 conseguiram entregar a tempo, os outros não conseguiram acabar no prazo. Por razões práticas, a avaliação final foi feita por correio; a organização enviou as fotografias e os documentos das propostas para os membros do júri. A cada um foi pedido que votassem a primeira, a segunda e a terceira proposta, além de indicarem os trabalhos que julgavam merecerem uma recomendação, enviando os votos e um pequeno relatório com as razões da votação. Foram também contados os votos que cada casa recebia pelas crianças que visitavam a exposição no RIBA. Seguiu-se uma contagem dos votos da qual emergiram, claramente, as primeiras três propostas. Os resultados finais foram publicados.
A listagem apresentava todas as 70 propostas, sem ordem, e uma versão integral do material apresentado: desenhos, fotografias e, onde possível, a memória descritiva.

Olhando para as propostas que foram entregue pode-se ver uma grande variedade de soluções muitas das quais economicamente ou tecnicamente impossíveis de produzir em larga escala. Foi, segundo o editorial, uma prova das capacidades dos arquitectos quando livres de limitações económicas ou constrições tecnológicas. Ao mesmo tempo na pequena escala, a necessária leveza dos materiais e a transportabilidade representaram um exercício de disciplina projectual particular.

As propostas apresentadas foram muito heterogéneas. Desde edifícios vitorianos, passando por sistemas de construção em madeira, até a soluções altamente conceptuais, nem todos os concorrentes demonstraram ter tido o cuidado de pensar na eventualidade de uma criança querer brincar com a casa. Neste sentido algumas soluções revelaram engenho e sensibilidade enquanto outras limitaram-se a ser autênticos brinquedos para adultos ou meros manifestos ideológicos dos próprios autores. Não podendo falar em todas as propostas irei fazer só um breve comentário às três mais votadas pelos elementos do júri final.

A proposta vencedora não é, de todo, uma casa de bonecas. Quem ganhou as 1.500 libras do primeiro prémio foi a casa proposta por Michael Gold & Paul Wellard, dois arquitectos acerca dos quais pouco ou nada encontrei. É uma torre dourada, bastante pirosa, com dois metros de altura (as crianças podiam entrar nela), cheia de estrelinhas e janelinhas. Esta casa ficou em primeiro lugar nas votações de James Gowan e do próprio Papadakis, além de ter sido classificada como terceira por Vincent Scully. Como é provado pela fotografia da filha de Papadakis, esta vitória provavelmente deve-se ao facto de as crianças, que tiveram direito a voto, acharem muita graça a uma casota onde podiam entrar.


O segundo prémio foi atribuído à proposta de Takefumi Aida, um arquitecto japonês. Contou com os votos de Robert Maxwell, que a colocou em primeiro lugar na sua votação, e de James Gowan, que a colocou em terceiro. Também Bruno Zevi e Papadakis fizeram referência a esta casa nos relatórios finais do concurso. A construção é um conjunto de peças moduladas com as quais é possível compor vários edifícios que, segundo o autor, podem estimular na criança a composição espacial da cultura arquitectónica japonesa. O que descobri, acerca de Takefumi Aida, é que este arquitecto japonês, com escritório a funcionar em Tokyo, projectou, entre 1979 e 1984, uma série de dez edifícios chamados “Toy Blocks Houses” cuja linguagem é, justamente, a das construções para brincar, em ponto grande. Além disso desenhou um conjunto de construções em madeira que chegou a chamar “Aida Block”.

O terceiro prémio foi atribuído a M. J. Long & Colin St. John Wilson que apresentaram, sem dúvida, a proposta mais interessante das vencedoras. Na escala 1:12, que é a escala estandardizada para casas de bonecas, é uma casa que contém uma certa dose de linguagem pós-modernista sem, com isso, sê-lo integralmente. Formada por elementos desmontáveis em madeira, possui um código de cores para as crianças identificar o interior e o exterior de cada elemento e para dar ao conjunto um ar fortemente lúdico. Em torno de um núcleo central formado pelas escadas e pela chaminé, desenvolvem-se vários meios pisos que criam diversos espaços. Apesar de ter uma cobertura inclinada, existe um terraço ligado ao último andar e, no exterior da casa, podem ser extraídos outros terraços, quartos ou uma garagem através de gavetas. O casal autor do projecto (Colin St. John Wilson morreu em 2007) formava o Colin St John Wilson & Partners, um gabinete de arquitectura muito conhecido e autor, entre outras obras de referência, da British Library em Londres. Professor em Cambridge, em Yale e no MIT, Sir Colin Alexander St John ("Sandy") Wilson era uma figura de destaque do panorama arquitectónico inglês.

De notar que se as votações de James Gowam, Robert Maxwell, Andreas Papadakis e de Vincent Scully são, de forma geral, coincidentes, a de Bruno Zevi é absolutamente divergente em todas as três propostas votadas (apesar de publicar uma menção ao concurso na revista que dirigia - L’Architettura cronache e storia nº 29). Zevi declara, logo no início do texto, uma “oposição radical” a um conjunto de casas justificando, mais à frente, que é “contra as miniaturas das casas tradicionais e, em termos estilísticos, contra o primitivismo, o vernacular, o clássico, o pós-moderno e o ecléctico”. Continuando: “eu sou por um pensamento arquitectónico progressivo, imaginativo e contemporâneo. E, em termos estilísticos, pelo De Stijl, Construtivismo, Moderno. Além disso a minha escolha é para casas de bonecas que tenham um valor educativo. A habilidade não chega. É necessário um propósito.
A verdade é que as três propostas vencedoras foram entregues pelos arquitectos que foram convidados na segunda parte do concurso. Ou seja, nenhum dos concorrentes originais chegou ao pódio. O único membro do júri que votou em propostas oriundas da primeira fase foi Bruno Zevi que foi, claramente, cilindrado.

E as casas? Foram leiloadas pela Sotheby e o dinheiro revertido para uma associação de ajuda a crianças, Save the Children. No jornal Lodi News-Sentinel de 7 de Setembro de 1983 um artigo falava em valores acima de 5.400 libras por alguns exemplares.

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